Hello Nuno… This is David Bowie…

O primeiro encontro foi em 1980. Através da rádio. O “Rock em Stock” passava naquele dia uma canção que me sabia diferente a tudo o que já tinha escutado até aí. A voz do Luís Filipe Barros anunciava… “Scary Monsters and Super Creeps”… E acrescentava a seguir: David Bowie. Nunca tinha ouvido falar em semelhante nome. Vale a pena acrescentar que cresci numa casa onde havia sobretudo música clássica e discos de alguns cantautores portugueses e franceses, vincando que de pop/rock a coleção dos meus pais apenas tinha o “álbum vermelho” dos Beatles (mal sabendo eu que gostaria mais do azul) e o Voulez Vous dos Abba. Em outubro de 1979, com 12 anos, tinha chegado ao Liceu Pedro Nunes quase iletrado nessas coisas da música pop. E nesse 7º ano, entre amigos e colegas, as descobertas tinham começado a colocar pela minha frente nomes como os Buggles, Lene Lovich, Madness ou Blondie. Ao mesmo tempo deixava na cesta do “não me parecem interessar muito” nomes igualmente falados nos intervalos das aulas como os Dire Straits ou AC/DC (dos primeiros com o tempo até acabei por gostar de algumas coisas, dos segundos a coisa nunca avançou). Video Killed The Radio Star dos Buggles, o single Angels e o álbum Flex de Lene Lovich, My Girl dos Madness ou Call Me de Blondie estiveram entre os primeiros discos pop/rock que comprei nesse ano letivo de 1979/80. Mas além dos discos trocados entre colegas e das conversas de intervalo a outra grande descoberta desse ano foi a rádio… E os programas do Luís Filipe Barros e do António Sérgio foram os primeiros a dar-me música nova para ouvir. Bowie, como acima referi já, chegou através do “Rock em Stock”. Ouvi depois o Ashes to Ashes. Gostei também. Mas num tempo de gestão apertada das semanadas, ter um disco de Bowie na minha coleção foi coisa que teve de esperar mais três anos para acontecer.

         No meu aniversário, em 1983, um dos presentes foi o single Let’s Dance. É claro que o efeito foi arrebatador, e pouco depois comprei o álbum com o mesmo título e, um nada mais adiante, o máxi com o Modern Love… Passei a acompanhar a par e passo os novos discos que foi editando daí em diante, ao mesmo tempo que ia descobrindo que havia um passado com discos ainda mais entusiasmantes para conhecer. Comprei, como novidade, em 1984, o máxi de Blue Jean. Depois os singles de Loving The Alien, Underground, Absolute Beginers, When The Wind Blows… E, mesmo não tendo um entusiasmo maior por ambos, levei para casa, mal saíram, os álbuns Tonight e Never Let me Down (na verdade deste só gostei mesmo na versão com novos arranjos editada em 2018). Ao mesmo tempo, olhando para trás, fui fazendo a discografia anterior a Let’s Dance… Mas quando dei por mim a trabalhar em rádio tive o “azar” de ter como primeiro lançamento de Bowie o álbum que em 1989 apresentava os Tin Machine (com o qual mais dia menos dia tratarei de fazer as pazes). Felizmente, em 1990, saiu uma antologia – Changesbowie – em formato de álbum duplo, seguindo-se reedições dos álbuns dos anos 70 e, cereja sobre o bolo, uma digressão em regime “best of” que passou por Lisboa. E assim, em 14 de setembro de 1990, vi pela primeira vez David Bowie em plena Sound + Vision Tour (sim, o nome do blogue que criei em 2005 com o João Lopes veio daqui). Era a estreia de Bowie em Portugal. E assim sendo essa relação apanhei-a logo no primeiro episódio (dos magros dois que há para contar).

         Anos depois, novamente em Lisboa, o segundo encontro fez-se num dos dias do segundo Super Bock Super Rock, então em Alcântara e à beira-rio… 23 de julho de 1996… E ao invés do que fora o primeiro encontro em 1990, a plateia estava estranhamente desertificada, tanto que o Luís Montez (promotor do festival) resolveu mandar abrir as portas. Quem quisesse ver Bowie tinha uma borla. Sinal de respeito pela necessidade de criar uma plateia minimamente respeitável à sua frente. E desta vez, dominado pelo fulgor dos sons novos que em 1995 levara a 1.Oustide, o segundo encontro ao vivo foi bem diferente do primeiro. Mesmo assim, uma vez mais, vi-o à distância. Se bem que tenha mergulhado entre a multidão para seguir o concerto mais perto do palco… Mas mal imaginava ali que os dois encontros seguintes permitiriam maior proximidade e menos cotoveladas.

         Paris, 1999. Nos tempos mais recentes, animado pelo entusiasmo de outros dois admiradores maiores de Bowie com quem trabalhava – o Miguel Gaspar no DN e o Álvaro Costa na Antena 3 – o meu relacionamento com o mundo em volta do músico era já outro. Já envolvia livros, toda a discografia em álbum e textos em revistas inglesas e americanas que iam surgindo a cada novo disco editado. Nesse ano, no Painel Noturno da 3, fiz com o Álvaro o countdown para chegada do álbum hours… E tive como presente de aniversário (do Álvaro) um acesso à BowieNet, o site que representou uma das primeiras grandes apostas online de um músico. A password era FCPorto… E através do site pude logo ter acesso ao álbum ao vivo liveandwell.com, na altura um exclusivo para os assinantes da BowieNet. Mas o melhor desse “ano Bowie” teve lugar em Paris.

         Uma pequena embaixada de jornalistas e profissionais de rádio chegaram em agosto de 1999 à cidade Luz com uma agenda Bowie pela frente. Em primeiro lugar havia uma cerimónia de entrega de uma condecoração. A de Comendador das Artes e das Letras… Foi ao fim da tarde de dia 14 de agosto, num tal Pavillon Gabriel… Eu até sabia que era um daqueles pavilhões para exposições e outros eventos que moram na parte de baixo dos Campos Elíseos, ali perto da Concórdia… Mas qual deles era o Gabriel? Na era em que não havia GPS nem ferramentas de localização nos telemóveis, foi uma correria de pavilhão em pavilhão, em busca do Gabriel. Não é este…. Será aquele… Não, não era… E aquele?… Também não… Mais um?… Sim, finalmente! Chegámos ofegantes, suados, mas a tempo de entrar na sala, ver a cerimónia e participar na conferência de imprensa… David Bowie estava ali a uns metros de distância. A muito poucos metros. E na sessão de perguntas e respostas, lá lhe lancei uma questão. E respondeu… Depois, ao serão, houve um concerto especial no Elysée Monmartre (que recentemente finalmente surgiu em disco) e cujo alinhamento abriu logo com a minha canção preferida da sua obra, o Life on Mars… E logo depois houve uma After Show Party no Man Ray… Mas aí ou estava bem mascarado, ou nem sequer apareceu. Bowie a ser Bowie.

         Se o saldo da viagem a Paris tinha sido incrível, com correria nos Campos Elíseos, concerto, festa, e uma troca de palavras com Bowie, poucas semanas depois uma conversa mais elaborada não só foi marcada como acabou por acontecer… Seria uma entrevista ao telefone, com meia hora de perguntas e respostas… Marquei estúdio na Antena 3 a meio da tarde que estava destinada à conversa… Cheguei com alguma antecedência. Liguei os aparelhos, experimentei o gravador de DAT para ver se estava OK. E eis que “toca” o telefone… É hábito, minutos antes de uma entrevista ao telefone, alguém da editora ou do management fazer um contacto para saber se tudo está a correr conforme o combinado, perguntando se a ligação ao artista se pode concretizar logo a seguir…

         Não havia triiiim, porque no estúdio o toque era substituído por uma luz vermelha que se acendia… A luz acendeu… Peguei no auscultador, à espera de falar com alguém da Virgin Records… Mas a que escutei foi uma voz demasiado familiar….

         “Hello Nuno… This is David Bowie…”

         Não sou de ficar starstruck nem encavacado. Mas pela primeira vez levei uns segundos a recompor-me… Ele ele! O próprio… Com uma mão segurava o telefone. Com outra premia os botões de REC do DAT, levantava os cursores na mesa… Estava a gravar? Sim… Estava… Vamos nisso… E ia fazendo conversa de circunstância até que, seguro de que as vozes iam ficar captadas, lá falámos de hours… e das memórias de Hunky Dory que ali se evocavam, das imagens que acompanhavam o disco, da BowieNet, do futuro digital que a música parecia ter pela frente… Foi uma bela conversa que aproveitámos para uma emissão noturna na Antena 3 e que publiquei, numa versão editada, no DN.

         Estava contudo destinado ainda a não ter nesses encontros de 1999 o último cruzamento com David Bowie. E em 2003 fui a Londres para, perante uma plateia muito reduzida, ver o concerto de apresentação do álbum Reality que decorreu num pequeno estúdio de televisão em Hammersmith, com transmissão em direto para salas de cinema espalhadas por todo o mundo, numa das primeiras experiências de um modelo que se tornaria sobretudo comum nos universos dos teatros de ópera e das salas de concerto sobretudo ligadas à música clássica.

         Foram cinco os meus “encontros” com Bowie. Quatro “ao vivo”. Um ao telefone… E esse foi o que mais me abanou… Ainda hoje me lembro do som daquela voz… “hello Nuno, this is David Bowie”…  

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