Assim se sonhava o futuro pop na Bélgica dos anos 70 e 80

São um nome talvez hoje esquecido entre o panorama da pop europeia do seu tempo. Os mais atentos à emergência de experiências pop com eletrónicas devem lembrar-se do seu álbum de estreia Looking For St Tropez, editado em 1979. Por seu lado, os aficionados eurovisivos talvez conhecerão Euro-Vision, a canção que levou os sons de uma emergente pop eletrónica à Eurovisão em 1980, tendo os dez pontos dados por Portugal impedindo depois a canção de ficar em último lugar. Essa experiência, que começara com um “não” a um convite da televisão estatal belga, acabou por levá-los, depois do “sim” que veio pouco depois, a um palco diferente daquele a que estavam habitados, comportando-se em modo blasé com uma dose de humor e autoparódia que nem todos entenderam. Mas, na essência, em nada Euro-Vision traía a identidade do grupo.

Mas mais significativos do que essa experiência na Eurovisão – que sublinha o carácter bem humorado das atitudes do trio belga – os primeiros passos discográficos que os Telex protagonizam ainda em finais dos anos 70 fazem do grupo um dos pioneiros de uma nova forma de entender a canção pop, pelo que o seu álbum de estreia, Looking For St. Tropez, mesmo distante do patamar visionário que então reconhecíamos em álbuns seus contemporâneos lançados por nomes como os Kraftwerk, Tangerine Dream, Cabaret Voltaire ou Yellow Magic Orchestra, merece morar menos longe do esquecimento a que o tempo entretanto o votou.

Seguindo uma lógica de busca identitária como a que levara os Kraftwerk a encontrar o seu caminho em inícios dos anos 70, os Telex surgiram em 1978 com vontade de, através de uma ementa instrumental unicamente feita de sintetizadores, procurar um som europeu (por oposição às genéticas da cultura rock, de origem norte-americana). A ideia para formar o grupo surgiu entre Marc Moulin e Dan Lacksman trabalhavam na gravação de um disco a lançar pela independente belga Kamikaze. Juntaram-se a Michel Moers e, em 1978, o trio estava reunido, estrando-se em disco no ano seguinte com uma versão “electrónica” de Twist À St. Tropez, um velho êxito dos Les Chats Sauvages, um dos grupos do yé yé francês, em inícios dos anos 60. Como segundo single apresentam uma versão, novamente electrónica, de Rock Around The Clock, “clássico” imortalizado na leitura de Bill Halley & His Comets (em 1954). Mas quando chegou o seu álbum de estria, e sem abdicar do tom sorridente com que se haviam apresentado nos dois singles que o tinham antecedido, revelaram sinais mais pessoais de abordagem às formas e instrumentos com os quais trabalhavam. Editado em 1979, Looking For St. Tropez inclui outras versões no alinhamento – uma delas transformando metronomicamente o contemporâneo Ça Planne Pour Moi, de Plastic Bertrand – mas é entre originais como Moskow Diskow ou Pakmoväst que encontramos o melhor da contribuição do grupo para a construção de sinais de mudança que em breve transformariam o panorama da música popular. Recorde-se que estavam ainda por chegar os êxitos maiores dos Human League, Soft Cell, Depeche Mode ou Yazoo que fariam da pop eletrónica uma linguagem corrente e muitos eram ainda os espíritos para quem música eletrónica não era… música.

Seguiu-se em 1980 o álbum Neurovision, que incluía no alinhamento a sua aventura “eurovisiva” desse ano. E depois, mas sem o mesmo impacte, seguiram-se os álbuns Sex (1981), Wonderful World (1984) e Looney Tunes (1988), tendo o grupo apresentado em 2006, depois de um longo silêncio, um sexto álbum ao qual chamou How Do You Dance? Por essa altura tinham já surgido primeiros olhares panorâmicos sobre a sua obra num díptico de 1999 que juntava a compilação “best of” I Don’t Like Remixes – Original Classics 78-86 e o disco de remisturas I Don’t Like Music.

Há cerca de um ano Moers e Lacksman arregaçaram as mangas e mergulharam no arquivo de gravações dos Telex. Remasterizaram 60 canções, entraram em contacto com a Mute Records e, agora, eis que surge uma primeira expressão de um novo acordo editorial. Compilação com 14 canções, This is Telex é um cartão de visita aos públicos do século XXI convidando-os a (re)descobrir uma obra pioneira do século XX. O gosto dos Telex por criar versões – no álbum de 2006 chegaram a “regressar” à Eurovisão para criar uma abordagem sua de J’Aime La Vie, de Sandra Kim, que em 1986 deu a vitória à Bélgica – surge reforçado em duas gravações antigas que se mantinham inéditas: The Beat Goes On (Sonny & Cher) e Dear Prudence (Beatles). A estas juntam-se à clássicas abordagens ao velho êxito dos Les Chats Sauvages ou uma versão de The No. 1 Song in Heaven dos Sparks, duo que os Telex chamaram para colaborar na escrita das letras do seu terceiro álbum. Com os dois inéditos a abrir e fechar o alinhamento, o acoplamento das faixas apresenta um percurso cronologicamente arrumado, sugerindo que, se os deixámos de acompanhar por volta de 1980, temos discos a (re)descobrir, sobretudo nas restantes colheitas dos anos 80, pelas quais se notam sinais da evolução então vivida pela pop eletrónica, a música de dança e as tecnologias ao serviço da produção. Que este (delicioso) “best of” lançado pela Mute seja o início de uma campanha capaz de nos devolver uma discografia que merecia maior visibilidade (e que nos lembra que a aventura pop eletrónica foi, sobretudo, uma expressão cultural de uma Europa em busca de identidade e modernidade entre finais dos setentas e inícios dos oitentas).

“This is Telex”, dos Telex, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da Mute Records

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