O calor irresistível de uma pop que chega do frio

O EP que o islandês Daði Freyr apresenta em inglês depois de concluído um ciclo eurovisivo que durou dois anos, mostra que nele temos um nome que vai valer a pena continuar a acompanhar depois de “Think About Things” e “10 Years”. Texto: Nuno Galopim

A Eurovisão tem representado, sobretudo nestas mais recentes edições, uma importante janela para revelar vozes e músicos de geografias que frequentemente escapam aos eixos dominantes de maior poder na comunicação da cultura pop. Dos islandeses Hatari (2019) aos ucranianos Go-A (2020 e 2021), da russa Manizha (2021) ao italiano Mahmood (2019), do suíço Gjon’s Tears (2020 e 2021) aos italtanos Maneskin (2021), esperando eu que lá fora digam o mesmo de Conan Osiris e dos Black Mamba, as colheitas mais recentes revelaram nomes que vale a pena continuar a descobrir. E se há nome que, desde 2020, está já no meu mapa de atenções, ele é o do islandês Daði Freyr.

                  Nascido em Reiqjavique, crescido entre a Dinamarca e Islândia, e com etapa final de formação cumprida em Berlim, com um mestrado em várias áreas da produção ligadas à música. Nos dias de juventude passou por bandas – uma delas os RetRoBot – e há uns cinco anos fez uma primeira tentativa para representar a Islândia na Eurovisão… É certo que Daði Freyr cresceu já numa Islândia colocada no mapa pop global por nomes como os de Björk, Sigur Rós ou Gus Gus. Mas participar na seleção local e, eventualmente, representar o país na Eurovisão equivale a ter uma exposição a mais de 95% da população islandesa. Além de que a possibilidade de uma visibilidade internacional alargada pode estar ao alcance de uma boa representação… Em 2017 a coisa não teve o desfecho esperado, mas abriu a uma nova etapa na vida profissional de Daði Freyr que então levou consigo para o palco a mulher, uma irmã e amigos. Chamou-lhes Gagnamagnið (ou seja, um “programa de dados” como se de linguagem informática se tratasse)… E com eles começou a desenhar novas possibilidades… E em 2020, depois de ter editado no ano anterior o álbum & Co., todo ele cantando em islandês, apresentou-se novamente no Songvakeppnin, desta vez arrebatando a vitória ao som de Thing About Things, uma canção pop irresistível, carregada de bom humor (satirizando sobretudo alguns paradigmas da “canção eurovisiva), valorizada não apenas pelo timbre grave de Daði Freyr mas por um trabalho de coreografia que não deixava de usar a seu favor o facto de o músico islandês medir nada mais nada menos do que 2,08 metros…

                  Tivesse a história de 2020 sido diferente e Think About Thinks poderia ter dado uma primeira vitória à Islândia na Eurovisão… Cancelada, a edição do ano passado não deixou contudo de dar algumas canções uma vida que transcendeu as notícias de uma eurovisão que não aconteceu. E da colheita de 2020 a canção que talvez mais correu mundo talvez tenha sido Think About Thinks… A televisão estatal islandesa acabaria por desafiar Daði Freyr a regressar em 2021. E assim surgiu 10 Years que, apesar do azar que foi o impedimento (por motivos de saúde pública) de atuarem ao vivo na semifinal e final, a canção levou Daði Freyr e sua trupe ao quarto lugar.

                  Estas duas canções estão agora reunidas em Welcome, um EP (para já apenas com edição digital) que apresenta Daði Freyr ao mundo depois de terminado um ciclo eurovisivo que acabou por durar dois anos mas que nele tem um dos nomes com maior potencial de carreira internacional que o concurso alguma vez deu a conhecer. À visão luminosa de Think About Thinks e o tempero mais electro funk de 10 Years (na verdade um som que habitava já a faixa que fechava o álbum de 2019) juntam-se agora mais canções que sublinham as qualidades de uma música pop inteligente, aberta a desafios e experiências, cuidada nas formas, exímia na produção. E sempre irresistivelmente cativante. O panorama pop, tanto o do gosto mainstream como, talvez mais ainda, o que escuta caminhos mais “alternativos”, tem aqui um nome a acompanhar. De resto, e ao lado de ÁSDIS, Daði Freyr aptesenta em Feel The Love um rebuçado doce não muito distante da música de uma Robyn, voz pop que o público indie aprendeu a admirar na primeira década do século XXI. Pena apenas Welcome ser um EP (que fecha ao som de uma suculenta remistura de 10 Years)… Dá vontade de ouvir mais…

“Welcome”, de Daði Freyr, é um EP digital disponível (para já apenas) em edição digital pela AWAL

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