
Apesar de reconhecida pela sua obra gravada a solo, Gabriela Schaaf integra a vasta família de vozes e músicos que passaram por discos da Banda do Casaco, um dos espaços mais criativos e desafiantes que a música popular portuguesa alguma vez conheceu. Com primeiros passos dados na colaboração em dois temas do álbum Hoje Há Conquilhas, Amanhã, não Sabemos, da Banda do Casaco, uma muito jovem Gabriela Schaaf deu por si a acompanhar a dupla António Pinho / Nuno Rodrigues quando deixaram a Imavox para criar, na Valentim de Carvalho, novos caminhos para o seu repertório nacional. E antes mesmo do “boom” pop/rock que chegaria em 1980 com Rui Veloso, os GNR ou UHF, Gabriela Schaaf foi das primeiras vozes pelas quais se desenharam possibilidades para rumos uma modernidade entre a pop e as suas periferias. E depois do single de estreia Põe os Teus Braços à Volta de Mim e de um segundo que traduziu uma carreira de sucesso na edição de 1979 do Festival da Canção, na qual levou Eu Só Quero ao segundo lugar da final, gravou ainda nesse mesmo ano (na Suíça) o álbum Vídeo, no qual de certa maneira se ensaiam espaços de flirt entre uma pop “adulta” e o jazz como, algum tempo depois, ganharia forma numa geração que veria nascer nomes como os de Sade Adu, Working Week ou até mesmo os Style Council. O impacte de Vídeo, e sobretudo do single (atípico entre o alinhamento) Homem Muito Brasa vincou o perfil de popularidade da cantora entre nós. Mas ela mesma, dividida entre as expressões de popularidade nos media e o gosto em continuar a cantar em clubes de jazz, optou por parar para pensar. E assim quase fez silêncio entre 1980 e 81, regressando logo depois com vontade para gravar um segundo álbum.
Para gravar Outra Vez Gabriela Schaaf rumou a Nova Iorque. As sessões tiveram lugar nos estúdios Unique Recording, sob produção de Nuno Rodrigues e Jerry Marotta, este último o baterista de Peter Gabriel que recentemente se fixara em Portugal e que entretanto tinha já colaborado com a Banda do Casaco. O alinhamento reflete uma evolução face ao que Video tinha mostrado três anos antes, explorando caminhos de uma linguagem pop/rock elegante, frequentemente dada a diálogos com climas jazzy que a voz de Gabriela Schaaf ajudava a sublinhar. Leva-me ao Cinema, escolhido como single, representa o momento pop de maior potencial de comunicação para um público mainstream, embora num registo diferente do Homem Muito Brasa de 79. Salvo o breve flirt com linguagens mais próximas do rock em Long Time (tema de Jerry Marotta e do safoxonista Tim Campello), o disco sugere uma pop frequentemente dada a diálogos com periferias do jazz. É uma música talvez menos imediata num primeiro encontro, mas desde logo capaz de revelar as qualidades artistas e técnicas da escrita, dos arranjos, da interpretação e da própria gravação. O balanço funk de Outra Vez a Ilusão (que inclui uma das primeiras experiências em português de um registo falado que pode traduz um interesse pelo rap), a elegância de O Meu Mais Que Tudo ou a luz mais pop Taxi Girl do Meu Coração, são apenas alguns pontos de interesse de um disco que merecia mais do que o silêncio a que está votado desde então.
Nem o álbum nem o single repetiram o sucesso comercial de 1979, mas Outra Vez registou na verdade o momento não só mais inspirado mas também tecnicamente mais exigente da curta, mas bem interessante, discografia de Gabriela Schaaf. A cantora regressaria à Suíça (onde antes já tinha vivido), tendo apenas regressado pontualmente à música em 1986 para cantar Cinza e Mel no Festival da Canção e editar um último single, este integralmente cantado em inglês. Salvo um ‘best of’ numa série ‘budget’ e, mais recentemente, a edição digital dos singles Eu Só Quero e Homem Muito Brasa, a obra em disco de Gabriela Schaaf é memória apenas disponível nas edições originais em vinil.
Como curiosidade acrescente-se que ela vivia no Porto e conhecia o Rui Veloso e está ligada (não sei precisar como) à ida da mãe à VC com as maquetas ou a um dos passos seguintes. O convite para colaborar com a Banda do Casaco (No Jardim -1980 e Também Eu-1982) surgiu após a passagem de Peter Gabriel pelo nosso país mas não me parece que Jerry Marotta tenha chegado a fixar-se em Portugal.
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