Música dos Pet Shop Boys para uma velha narrativa de Hanif Kureishi

Criada como argumento para um filme de Stephen Frears estreado em 1985, a história de “A Minha Bela Lavandaria” não perdeu atualidade e teve recentemente uma nova vida em palco, com música dos Per Shop Boys que, agora, tem edição em disco. Texto: Nuno Galopim

O interesse dos Pet Shop Boys pela criação de relacionamentos possíveis entre a música e o palco transcendeu desde cedo a mais habitual lógica do “concerto pop”. Na verdade, antes de os vermos num formato mais próximo do que habitualmente cruza estradas e palcos, as suas primeiras digressões foram realizações relativamente tardias face ao despertar da sua discografia, com uma primeira (em finais dos anos 80) pensada como experiência multimédia baseada na projeção de curtas-metragens que Derek Jarman criou para cada uma das canções levadas a cena, a segunda, já nos anos 90, revelando (como nos mostrou depois o filme-concerto Performance) um conceito cénico mais próximo do teatro musical. De então para cá criaram a peça de teatro musical Closer to Heaven, assim como um espetáculo de cabaret inspirado numa das personagens da peça, ao qual chamaram Musik. Compuseram uma banda sonora alternativa para o clássico Couraçado Potemkin de Eisenstein, criaram música para bailado em, The Most Incredible Thing (uma colaboração com o coreógrafo Javier de Frutos) e apresentaram nos Proms da BBC um biopic em forma de musical sobre Alan Turing. Este mundo de acontecimentos, que tem surgido em paralelo às edições de novos discos e apresentação de novas digressões, juntou recentemente ao seu currículo uma colaboração com Nikolai Foster que, em 2019, levou a cena uma adaptação ao teatro de A Minha Bela Lavandaria, uma narrativa que partiu de um guião de Hanif Kureishi que Stephen Frears filmou em 1985, com Daniel Day Lewis e Gordon Warnecke nos papéis principais (este último tendo vestido nesta produção o papel do pai da personagem que tinha interpretado no filme).

         Para a banda sonora de My Beautiful Laundrette os Pet Shop Boys criaram nova música, assim como cederam algumas canções do seu catálogo, entre as quais West End Girls, Opportunities (Let’s Make Lots Of Money) ou Left to My Own Devices. A narrativa, que decorre no Reino Unido nos tempos de Thatcher e apresenta uma trama que não só explora a presença na sociedade de comportamentos de xenofoboia, retrata um universo assolado pelo desemprego e pela expressão de atitudes de intolerância, como acompanha o surgimento de um relacionamento amoroso entre os dois protagonistas (de origens étnicas diferentes), teve já no filme de Frears uma expressão notável. Agora, através da música nova que os Pet Shop Boys criaram para a adaptação ao teatro, podemos imaginar que o mesmo texto de Hanif Kureishi voltou a dar bons frutos. E com podemos escutar a nova música que os Pet Shop Boys criaram para esta adaptação ao teatro? Escutando o EP My Beautiful Laundrette, que está disponível nas plataformas digitais mas que teve uma edição limitada em CD, acompanhando a mais recente edição do seu anuário (ao qual chamam Annually).

         O EP inclui duas canções, uma delas inédita, já que No Boundaries surgiu (discretamente) como um dos B-sides da edição em CD single de Dreamland, em 2019. A nova canção, Angelic Thug, é uma das pérolas maiores da obra recente dos Pet Shop Boys. Canção pop que assimila ecos de ritmos latinos, juntando todavia mais elementos numa cenografia onde não faltam vozes de um coro (que lembram It’s a Sin, embora noutro contexto), serve a descrição de Johnny, uma das personagens da peça, mas na verdade pode sobreviver fora de contexto como retrato de um jovem “alpha male” da “working class” britânica que “talks dirty looks so pretty”. Às canções juntam-se cinco temas instrumentais, um deles, Omar Theme, representando a versão não cantada e encurtada de No Boundaries, à qual se junta, contudo, uma voz que nos diz repetidamente uma fase em punjabi, inclui elementos que nos remetem para a origem paquistanesa de parte das personagens, o mesmo acontecendo com Night Sings. O alinhamento inclui ainda o mais sombrio Johnny’s Darkside e o Johnny’s Theme, uma leitura instrumental de Angelic Thug. Outra das preciosidades deste alinhamento é Beautiful Laundrette, um instrumental que evoca a matriz hi-nrg da etapa inicial da obra dos Pet Shop Boys e que, ao que parece, teve como inspiração uma velha maquete que o duo terá criado juntamente com Bobby O, produtor dos seus dois primeiros singles.

         A edição digital dá acesso fácil a esta música. Mas o CD é uma peça que qualquer colecionador gostará de ter, com uma capa na linha clássica dos álbuns dos Pet Shop Boys em meados dos anos 80… Resta agora esperar que semelhantes operações possam igualmente dar vida ao biopic dedicado a Alan Turing ou à música criada para Musik (esta última, para já, com lançamento digital).  

“My Beautiful Laundrette” é um EP dos Pet Shop Boys e está disponível nas plataformas digitais assim como numa edição limitada em CD que surgiu incluída na edição de 2020 do anuário “Annually”.

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