A noite em que a música eletrónica chegou à catedral de Reims

Foi a 13 de dezembro de 1974 e a controvérsia estalou depois do concerto, com o Vaticano a proibir novos eventos do género logo a seguir. Uma edição especial no formato de álbum duplo lançada durante o Record Store Day permite recordar essa noite. Texto: Nuno Galopim

Podia ter sido a história de uma música nova em busca de um “novo” espaço (antigo) para se apresentar… Mas a passagem dos Tangerine Dream, em 1974, pela cidade francesa de Reims acabaria por ter mais vastas ressonâncias. O grupo, formado em Berlim em finais dos anos 60, o grupo tinha conquistado recentemente maiores atenções entre o Reino Unido e a França e assinado, inclusivamente, um acordo discográfico com a (recentemente fundada) Virgin Records. A pulsão experimentar dos seus primeiros discos começava a abrir caminhos para outras visões (não menos) exploratórias, mas com um rumo cada vez mais definido. Um rumo que, de certa forma, ganha forma em “Phaedra”, o álbum que em inícios de 1974 assinalou a primeira edição dos Tangerine Dream pela nova etiqueta e cativou mais atenções ainda sobre uma nova música eletrónica que ali fixara um episódio histórico.

         Se em “Phaedra” a estruturação das ideias surgia claramente mais arrumada, ao vivo os Tangerine Dream optavam ainda pela improvisação e, como descreve o texto que lemos no booklet que acompanha “Live in Reims Cathedral – December 13th, 1974”, os concertos eram então ou tiros certeiros ou ao lado… A catedral de Reims surge no calendário do grupo a 13 de dezembro de 1974, numa noite partilhada com Nico. As naves estavam apinhadas de gente (fala-se em 6 mil pessoas, ou seja, o dobro do que seria a lotação). E numa zona lateral um contingente de 500 jornalistas (um número invulgar para a cobertura de um concerto naqueles tempos) preparava-se para retratar um instante que parecia fadado a fazer história. Afinal era a primeira vez que um concerto com estas características decorria no interior de uma catedral.

         Os Tangerine Dream abriram a noite com um primeiro set, essencialmente atmosférico, de cerca de 45 minutos. E, depois da atuação de Nico, regressaram para um segundo ‘set’ de 35 minutos, no qual a presença de sugestões de uma pulsão rítmica afloram mais evidentes. Um sintetizador VCS 3, dois Mellotron, um órgão Elka, um Moog ou um Fender-Rhodes estavam instalados sob alcatifas, acolhendo os três protagonistas: Edgar Froese, Christopher Franke e Peter Bauman. Um ponto de luz em frente ao Moog de Franke e alguns focos apontados à estrutura da catedral garantiram uma iluminação que dispensou o aparato de jogos de luz para permitir antes focar o protagonismo na música. E a verdade é que os milhares que enchiam a catedral não arredaram pé. Mas entre os comportamentos de quem assistia – e basta conhecer as rotinas de grandes concertos para imaginar as informalidades – o escândalo rebentou. Um jornalista do NME contou que, entre a cidade, havia quem defendesse que era necessário purificar o edifício onde em tempos foram coroados os reis de França, já que elementos do público tinham fumado erva e deixado lixo por todo o lado. Mas um padre de Reims reconheceu, no mesmo texto, que seis mil jovens se tinham ali mantido atentos durante três horas, numa noite fria, ouvindo a música e que poderiam na verdade ter causado estragos maiores, o que não aconteceu… Mesmo assim o Vaticano acabaria por proibir a realização de novos eventos do género em catedrais.

         Edição especial lançada por ocasião do Record Store Day, “Live in Reims Cathedral – December 13th, 1974” junta os dois ‘sets’ apresentados pelos Tangerine Dream nessa noite, cada qual ocupando as duas faces de um LP (que se apresentam em formato de picture disc, com imagens de vitrais da catedral). Se por um lado os dois LP desta edição única nos revelam a música ali apresentada naquela noite, os recortes de imprensa e o texto que encontramos no booklet acrescenta, juntamente com as fotos, a narrativa e o contexto.

“Live in Reims Cathedral – December 13th, 1974”, dos Tangerine Dream, está disponível numa edição em 2LP da Cherry Red.

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