
Sérgio Godinho chamar-lhe-ia certamente “o homem dos sete instrumentos”… Se é que na verdade John Cohen não tocou até muitos mais, se bem que nem todos apenas musicais… Foi músico, de facto. E integrou os New Lost City Ranglers, um trio ao jeito das velhas “string bands” em pleno momento de revivalismo folk com Nova Iorque como epicentro. Mas mais do que músico foi um colecionador de memórias, que procurou desde os Apalaches aos Andes, gravando e editando velhos músicos folk, fixando ecos de sons de outros tempos, fotografando-os, dando-os a conhecer a novas gerações e a novas possibilidades… Um dos compradores de uma destas edições de recolha não foi nada mais nada menos do que um então muito jovem Bob Dylan, que o próprio John Cohen fotografia em várias ocasiões, uma delas ainda antes de ter sido o primeiro álbum do músico que viria a ocupar um lugar maior na história da música americana.
“Different Johns”, de Robert Carr, é um belíssimo olhar sobre as várias faces do trabalho (e das paixões) de John Cohen. Está lá o músico e também o arqueólogo das memórias de velhas tradições da América profunda. Mas também o antropólogo que se deixou fascinar pelas técnicas de tecelagem de povos pré-colombianos, interesse que o levou ao Perú pela primeira vez nos anos 50, iniciando-se aí um relacionamento que, ao longo de décadas, o levou a captar imagens (em fotografia e filme) que documentaram, como mais ninguém, as tradições e o quotodiano dos Q’ero.
O filme cruza imagens dos seus velhos filmes e fotografias com imagens de viagens recentes tanto aos espaços da América profunda que deu a escutar como às paisagens andinas que tantas vezes visitou. E acrescenta ainda uma dimensão viva a toda uma vida dedicada à captação de memórias, escutando o editor dos seus livros de fotografias ou mergulhando nos cofres da Biblioteca do Congresso, a quem deixou a sua obra em cinema.
Imagens hoje icónicas de Kerouac ou Dylan têm a sua assinatura. Conheceu Willem de Kooning, Robert Frank, Allen Ginsberg ou Woodie Guthrie. E nada como descobrir o incansável entusiasmo de John Cohen, que Robert Carr brilhantemente capta em “Different Johns”, para sentir o pulsar vivo de cada momento que captou e deixou para que todos nós resgatássemos uma vez mais ao esquecimento os mundos que conheceu.
“Different Johns” integra a secção Indie Music do festival Indie Lisboa e passa dia 24 (terça-feira) pelas 21.30 na Sala 3 do Cinema São Jorge.