O álbum que surge três décadas depois do primeiro LP (e da entrada em cena da vocalista Sarah Cracknell) não é um disco de canções pop, mas sim um mergulho num espaço no qual o trio britânico desenha um ambiente de grande tranquilidade. Texto: Nuno Galopim

Passam agora 30 anos sobre o momento em que Fox Base Alpha consolidava, na forma de um primeiro álbum, as boas promessas de uma pop fresca e atenta aos sinais dos tempos que os singles de apresentação dos Saint Etienne (um deles, Only Love Can Break Your Heart, uma deliciosa abordagem a um original de Neil Young) nos tinham dado a escutar desde 1990… Tal como os Beloved ou M People, cada qual com especificidades definidas pelas suas referências e identidades, os Saint Etienne marcavam a chegada dos noventas com uma reinvenção das linguagens pop que colocava novas ferramentas e formas ao serviço da canção. Porém, mais do que em outros projetos seus contemporâneos, o trio – que só em 1991 fixou a presença da voz de Sarah Cracknell – alargou a sua base de referências para além dos sabores do momento, assimilando nostalgias da pop de outros tempos, representando mesmo uma das mais interessantes aventuras de reflexão sobre o legado da ideia de uma swinging London, porém sem nunca perder a noção do presente nem mesmo uma certa costela indie que acabou mesmo por ajudar a cimentar a identidade do grupo. É de grandes canções – às vezes até com maiores memórias de singles do que de álbuns – que se fez grande parte do percurso discográfico do grupo. O ‘best of’ London Concersations: The Best of Saint Etienne, de 2009, de resto, quase rivaliza com a oferta de uma coleção de canções dos Pet Shop Boys (estes todavia imbatíveis neste campeonato). Álbuns já deste século, como Tales of The Turnpike House (2005) ou, ainda mais, o magnífico Worlds and Music by Saint Etienne (2012) mostraram todavia um desvio do foco das atenções de um pensamento pop clássico centrado em singles para a criação de álbuns com maior fôlego. E depois de Home Counties (2017), era natural que muitos esperassem mais um disco de canções pop de alinhamento consistente e coerentemente desenhado… Estas últimas características habitam de facto o novo I’ve Been Trying To Tell You. Mas, apesar de incluir canções, o disco mostra antes os Saint Etienne entregues a um outro desafio. Mais plástico, mais sugestivo, mais ambiental, como se de uma banda sonora para uma ideia (mais do que para um filme) de tratasse.
Na verdade o desafio a uma ordem formal habitualmente seguida pela canção pop não é de todo uma novidade na obra dos Saint Etienne. E basta para isso evocar Avenue, tema inclusivamente escolhido como um dos singles do belo So Tough, segundo álbum do trio, lançado em 1993. I’ve Been Trying To Tell You leva todavia esse gosto em trabalhar uma cenografia e um mood para lá do espaço de uma canção, definindo a identidade de todo um alinhamento que, assim, não pela temática, mas pela abordagem estética, acaba a definir aqui uma ordem concetual.
Já havia sugestões em cena antes mesmo do álbum se materializar à nossa frente… Pond House (que se molda em torno de um sample de Beauty on the Fire de Nathalie Imbruglia), já apontava um caminho mais sugestivo do que assertivo. O alinhamento do álbum mergulha agora esse (belo) momento num percurso que deixa longe as ligações à música de dança que o trio explorou noutras ocasiões, optando antes por alinhavar momentos instrumentais e canções discretas que desenham um ambiente. Mais coisa de sentir do que de contar histórias, mais experiência (como agora se diz) do que trama narrativa, I’ve Been Trying To Tell You pode parecer estranho e inesperado num primeiro encontro. Mas os regressos (e o disco é de facto irresistível) acabam por fazer deste um dos álbuns de identidade mais marcada na obra dos Saint Etienne. Pode não ser casa de hinos que se colam à orelha. Mas uma obra essencialmente feita entre canções pop pode dar origem a mais vidas e destinos. Aqui está um bom exemplo de como levar a bom porto outras possibilidades.
“I’ve Been Trying To Tell You”, dos Saint Etienne, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Heavenly.