O novo álbum dos Lo Stato Sociale é um disco triplo no formato em vinil e confirma não apenas a capacidade em criar visões pop de travo indie mas também o gosto em apresentar retratos comentados sobre a vida e a sociedade nos universos ao seu redor. Texto: Nuno Galopim

Em 2018 uma banda de perfil indie partiu para o mais popular dos concursos musicais do seu país com a previsão (pessoal) de ficar classificada em penúltimo lugar… Penúltimo? Só se a contar do topo da tabela, já que, confirmando terem sido então uma das grandes (e boas) surpresas da 68ª edição do Festival de San Remo, os italianos Lo Stato Sociale terminaram em segundo lugar, fazendo de Una vita in vacanza (a canção que ali apresentavam) um verdadeiro aperitivo para a descoberta internacional de uma obra que já conta com alguns anos de vida e uns quantos discos editados.
Formaram-se em Bolonha em 2009 em volta de um trio de DJ de uma rádio comunitária e dois anos depois alargaram a formação a mais dois elementos. A sua obra em disco, que soma uma mão-cheia de singles, conta já com três álbuns de estúdio – Turisti della democrazia (2012), L’Italia peggiore (2014) e Amore, lavoro e altri miti da sfatare (2017) – e junta agora a eles uma compilação que serve precisamente esse efeito de primeiro encontro para os muitos que contactaram com o grupo através da sua performance em San Remo (a noite da final teve 12 milhões de espectadores de audiência televisiva em Itália e cativou muitas atenções internacionais) que deu que falar não apenas pelo tom festivo da canção mas também pela atuação saudavelmente subversiva que contava com os ginasticados dotes de dança de uma veterana de 83 anos!
Una vita in vacanza, que juntava a um refrão efusivamente pop uma construção que explorava também o tom meio cantado meio falado do vocalista, foi, há três anos, a porta para entrada em Primati, uma compilação que juntava uma seleção de temas da discografia já conhecida em Itália a outros dois inéditos e ainda uma nova remistura de Sono Così Indie, mais um exemplo do tipo de humor (e de magnífica capacidade de paródia na primeira pessoa) e que cruza uma obra que usa frequentemente a canção como espaço para comentário aos costumes da sociedade italiana contemporânea, abrindo a sua curiosidade de exploração musical em várias frentes, com um centro de ação sobretudo focado numa ideia de pop alternativa sempre dotada de bons temperos.
É precisamente sob os mesmos azimutes que, em 2021, juntam à sua discografia um álbum duplo que, se por um lado acrescenta à obra dos Lo Stato Social mais um punhado de grandes canções – como o irresistível Combat Pop ou os igualmente recomendáveis Fucking Primavera ou Belli Cosi – a momentos de hilariante humor pop – e aí entra em cena Sesso, Droga i Lavorare – cabendo depois, sobretudo ao CD2 (ou às faces 4 a 6 do triplo vinil) uma sucessão de canções faladas nas quais o grupo junta novos olhares comentados ao mundo ao seu redor. Ao disco chamam “atentado” à música italiana… Na verdade é dos melhores discos que por ali emergiram nos últimos anos, confirmando em pleno que a boa surpresa causada pela descoberta (pelo menos para quem vive fora de Itália) de Un Vita en Vacanza de 2018 tem aqui uma sequela ao nível do que as melhores expectativa poderiam então lançar. Um nome a acompanhar com atenção mas que pela insistência – justificada – em cantar em italiano, dificilmente poderão sonhar, no contexto mediático atual, com uma visibilidade maior… Depois das (re)conquistas da música francesa nos anos 90 e das mais recentes expansões globais de artistas que cantam em língua espanhola, está na hora de voltar a dar alguma (maior) atenção à música que se faz em Itália. E os Lo Stato Sociale são uma boa possível porta de entrada para gostos mais indie ou para quem gosta de encontrar nas canções retratos comentados sobre a sociedade atual.
“Attentato Alla Musica Italiana”, dos Lo Stato Sociale, está disponível em 3LP, 2CD e nas plataformas digitais numa edição da Garrincha Dischi/Universal.