Nova vida para um tesouro esquecido de Frank Sinatra

Originalmente lançado em 1970 e então sem impacte maior, o álbum “Watertown” regressa numa edição com nova mistura e faixas extra. Texto: Nuno Galopim

Tal como sucedera em finais dos anos 40, a reta final dos anos 60 não foi particularmente grata a Sinatra, sobretudo na relação do público com a sua música. O mais evidente sinal desse distanciamento ganhou forma num álbum editado em 1970, e no qual Sinatra ousava novas ideias e caminhos, mas que acabou por se revelar o maior flop comercial da sua discografia, dividindo muito as opiniões.

Criado em parceria com Bob Gaudio (elemento dos Four Seasons) e registado num método diferente do habitual, com a voz captada em estúdio já depois da orquestra gravada. O biógrafo Will Friedwald defende mesmo que “Watertown” é “um disco dos Four Seasons feito para Sinatra” , tanto que a maior parte equipa criativa ligada a este disco tinha já uma ligação ao grupo. Os Four Seasons – de New Jersey – tinham uma admiração enorme por Sinatra e foi Frank Valli quem um dia explicou ao cantor que a chave do seu sucesso eram as canções que Bob Gaudio compunha para eles. E logo veio a ideia, porque não poderia Gaudio compor para si, perguntou Sinatra. O desafio ganhou forma com Jake Holmes a juntar-se a Gaudio. Mostraram as primeiras quatro canções a Sinatra e, tendo este gostado do que escutou, elevou o desafio para o patamar seguinte: um álbum.

Foi Bob Gaudio quem então sugeriu a ideia da criação de um disco concetual. As canções falariam todas elas da vida numa pequena cidade. Sinatra só deu conta do conceito quando ouviu as maquetes. A orquestra foi gravada em julho de 1969 enquanto, ao seu ritmo, Sinatra ia assimilando as novas canções. O processo foi moroso, com Gaudio a remisturar depois as gravações da orquestra e o próprio Sinatra a trabalhar sobre a voz que depois gravou. O projeto previa originalmente a criação de um especial de televisão além da edição do álbum. Porém Sinatra optou por lançar apenas o LP, decisão que pode ter representado a primeira razão pela qual “Watertown” acabaria mais longe das atenções do que o sucedido com alguns dos seus discos mais recentes.

Hoje podemos reconhecer “Watertown” como, de certa forma, um parente próximo da visão pop/rock orquestral que Scott Walker tinha vindo a talhar a solo na sucessão de discos que lançara entre 1967 e 69. Tematicamente coeso, traduzindo mesmo a ideia concetual de uma narrativa (com cenário e personagens bem definidas) que as canções definem de fio a pavio, é um disco de canções que, sem voltar costas a heranças da obra de Sinatra e algo esquecido, é um dos grandes momentos da pop orquestral na fronteira entre os sessentas e setentas e um importante espaço de diálogo entre um certo classicismo que Sinatra representava e os caminhos da cultura pop/rock que ele nunca abraçou em pleno, mas aos quais aqui piscou, e bem, o olho.

O álbum acaba de regressar em nova edição que apresenta todo o seu alinhamento sujeito a uma remistura que abre pontos de vista sem deturpar a visão original, e junta ainda faixas extra, umas delas sendo takes alternativos, outras correspondendo a “promos” criadas para a rádio.

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