ABC “The Lexicon of Love” (1982)

Editado em finais de junho de 1982, “The Lexicon of Love” é a obra maior da discografia dos ABC e um título que hoje, 40 anos depois, revela o sabor de um clássico que fixou histórias do seu tempo. Texto: Nuno Galopim

Quando entraram em cena, em 1981 com o single Tears Are Not Enough, ao que se seguiram já em 1982 os mais visíveis The Look of Love ou Poison Arrow (todos eles integrados no alinhamento de The Lexicon of Love), os ABC apresentavam-se como um exemplo possível de um contraponto face ao panorama dominante, com uma pop de inspiração mais próxima no R&B. Face ao cenário então dominado quer pelos herdeiros diretos do glam rock, do post-punk e do disco (ou seja, os new romantics) e a primeira geração da pop electrónica local, ofereciam uma pop de travo clássico, suportada por arranjos que valorizavam as genéticas da soul e periferias que visitavam e pela voz segura de Martin Fry venceu por contraste e ganhou o seu lugar no mapa de então. 

Chegavam de Sheffield, a mesma cidade que pode aqueles dias tinha no mapa da visibilidade pop nomes como os Human League, Heaven 17 ou Cabaret Voltaire e na qual poucos depois nasceriam os Pulp. Os ABC na verdade nasciam dos Vice Versa, uma banda anterior de Sheffieldos Vice Versa que, depois de entrevistados pelo autor de uma fanzine (nada mais nada menos que Martin Fry) o convidaram para se juntar ao grupo. A evolução da coisa seguiu mesmo o melhor caminho e, depois de (já como ABC) terem cativado atenções com o single de estreia Tears are Not Enough, acabaram em estúdio com Trevor Horn e Steve Brown na produção.

Podemos ver The Lexicon of Love como o instante em que o que pouco depois seria a ZTT Records começava a ganhar forma. Não só Trevor Horn ensaiava já ali um modelo de produção mais sofisticado (mas que partia dos jogos de diálogos e outros instrumentos com os novos sintetizadores que ele mesmo havia praticado nos Buggles), como ali se juntavam ainda Anne Dudley, Gary Langan e JJ Jekzalik que logo a seguir formariam os The Art of Noise. 

O percurso seguinte dos ABC não foi contudo nunca muito regular… Depois do desnorte que se sentia em Beauty Stab (1983) apontaram o rumo a uma relação contemporânea das electrónicas com heranças funk e soul num belo terceiro disco – How To Be a Millionaire (1985) – que só não foi mais longe pela algo equívoca pontual reinvenção do grupo como uma cartoon band. No álbum seguinte, Alphabet City (1987) recuperaram o cuidado na imagem, juntaram magníficas canções – como When Smokey Sings ou The Night You Murdered Love – mas, embora mantendo as demandas estéticas do álbum anterior, não repetiram um alinhamento tão suculento. Procuraram depois integrar as emergentes novas linguagens rítmicas e ferramentas digitais em Up (1989) e Abracadabra (1991), ambos tendo passado longe das atenções. Em 1997, quando regressaram com Skyscraping mostravam ali um dos raros discos de “reunião” que não envergonhava a memória da obra anterior. Mas de então para cá, além do inconsequente Traffic (2008), não mais fizeram nada senão revisitar a nostalgia de tempos mais fartos em ideias, sucesso e visibilidade. 

Mais tarde, em 2016, e com uma formação bem diferente da que o grupo tinha em 1982, criaram uma sequela para The Lexicon of Love. Se tecnicamente o disco recupera a alma, narrativa e cenografia do álbum original (apesar da troca de Trevor Horn por Gary Stevenson na produção) e se na voz, ainda segura, de Martin Fry havia ali outro dos argumentos favoráveis, foi na forma de encarar a temática, por pontos de vista que refletem o tempo que passou que, na verdade, estão os únicos valores relativamente interessantes de The Lexicon Of Love II. A experiência acumulada, que tanto pode dosear melancolia, nostalgia ou também saudável sarcasmo, alimentava as canções com uma verdade que impediu ali uma aplicação “chapa cinco” do que poderia ser um mero exercício de nostalgia. Há aqui belos momentos de imponente classicismo pop como os que se ouvem em The Flames of Desire, Singer Not The Song, The Love Inside The Love ou Brighter Than The Sun e, até, breves flirts além das fronteiras estéticas do projeto, como em I Believe In Love. Já Viva Love (que teve já direito a teledisco) não pareceu mais do que mero pastiche de um passado então com 34 anos.

Agora, 40 anos depois do original, celebremos um clássico que claramente representa um momento maior na história pop dos anos 80.

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