Eminem, CeeLo Green, Stuart Price, Tame Impala, Kasey Musgraves, Stevie Nicks, Chris Isaak, Yola ou os Maneskin são presenças de relevo em abordagens às canções de Elvis Presley que dão ao filme argumentos para procurar uma identidade. Texto: Nuno Galopim

É coisa de grande fôlego o mergulho de Baz Luhrman por entre a história do relacionamento entre Elvis Presley e o seu manager, o Colonel Tom Parker (aqui interpretado por Tom Hanks). Se por um lado a narrativa (e a própria construção de algumas personagens) talvez perca carne e profundidade ao optar por uma visão de fio a pavio de toda a história – opção que tem sido a pedra no sapato de muitos biopics neste departamento dos retratos de figuras da música – pode outro é na criação de um ponto de vista sobre o legado musical de Elvis que Baz Luhrman acerta em pleno. E assim, mesmo longe do caráter único das visões que Todd Haynes criou sobre Dylan ou Anton Corbijn desenhou em volta dos Joy Division, o realizador australiano consegue fazer de Elvis um espaço que olha (e escuta) para um músico com mais do que apenas uma agenda de factos e mimetismo para ordenar numa sucessão de cenas entre a abertura e os créditos finais.
É de facto no trabalho de criação de um ponto de vista sobre a obra de Elvis que Baz Luhrman encontra o bater do coração que segura o filme, garantindo depois a montagem e a mistura do áudio a materialização dessa força que assim faz com que haja aqui mais do que a história de um jovem que cresceu a escutar a música das comunidades negras ao seu redor e o empresário atento às oportunidades que Elvis toma como tutano da narrativa.
Seguindo uma lógica de criação de pontes entre épocas que já ensaiara em filmes como Romeo + Juliet ou Moulin Rouge e que aprofundou no (menos cativante) Great Gatsby, Baz Luhrman quis olhar para a música de Elvis não como uma mera coleção de citações de arquivo mas, antes, como uma série de abordagens ao modo como o seu legado se pode manifestar. Daí ter chamado nomes como Eminem, CeeLo Green, Swae Lee, Diplo, Stuart Price, Tame Impala, Doja Cat, Kasey Musgraves, Jack White, Stevie Nicks ou os Maneskin a criar novas versões ou misturas, assim como foi certeiro ao chamar a voz de Chris Isaak para a dobrar a de Hank Snow (nas canções) ou até mesmo Yola a vestir, no ecrã, a pele de Sister Rosetta Tharpe. O próprio Aaron Butler, que interpreta a figura de Elvis Presley, assegura parte das recriações de canções e garante assim também um lugar na banda sonora do filme.
As canções ora surgem em fragmentos que servem a sucessão das cenas ou em mash-ups que alguns momentos de montagem em paralelo unem com alma de seguro teledisco (nada contra, note-se). O tom barroco característico do cinema de Baz Luhrman, umas vezes mais eficaz, outras nem por isso, tem finalmente aqui um trabalho de construção musical que permite “agarrar” o furacão de imagens, contribuindo para, pelas memórias evocadas e transformações efectuadas, lembrar a música de Elvis e usá-la em favor de uma construção que não quer ser um mero docudrama. Já agora vale a pena notar que, sem este esforço de diálogos entre a música de Elvis Presley e os vários espaços de criação musical do presente (da Country ao hip hop) e Elvis seria um biopic bem mais magrinho. A música é, aqui, o coração que dá vida ao filme.