Editado em 1972 o “Clube da Esquina” nasceu de um coletivo liderado por Milton Nascimento e Lô Borges, cruzando referências para fixar, numa coleção de 21 canções, ecos da cultura mineira, que assim ganhava nova voz na cena musical brasileira. Texto: Nuno Galopim

O gosto (e o desafio) da colaboração e do estabelecimento de parcerias corre no sangue da história da música popular brasileira. E houve momentos de particular confluência de talentos, como o que em 1968 semeou os ventos do tropicalismo (com Caetano Veloso, Gilbetrto Gil, Nara Leão, Tom Zé, Gal Gosta, os Mutantes e alguns). Podemos juntar a esta narrativa a história do coletivo Novos Baianos, sobretudo naquele momento, quatro anos depois de Tropicália, envolvendo então músicos como Morais Moreira, Baby Consuelo ou Pepeu Gomes, no também histórico Acabou Chorare. Diferente destes dois álbuns da sua génese (e geografia), mas igualmente expressão do encontro de vários talentos, o álbum que colocou na mapa o nome de um “grupo” mineiro do qual se destacavam Milton Nascimento e Lô Borges é outra peça não menos importante na etapa de construção de novos caminhos (cruzados) na história da canção popular brasileira.
A “esquina” a que o Clube da Esquina se refere é a que nasce no cruzamento das ruas Paraísopolis e Divinopolis no bairro de Santa Teresa, em Belo Horizonte. Era ali que, por aqueles tempos, se juntava um conjunto de amigos e que evoluiria com Milton Nascimento como mais evidente epicentro criativo. Com ele estavam alguns dos primeiros amigos e colaboradores que começara a juntar quando, em 1963, chegara à capital de Minas Gerais, nomeadamente os letristas Márcio Borges e Fernando Brandt. Eumir Deodado, que Milton conheceu quatro anos depois e que se tornou importante parceiro (sobretudo na arte dos arranjos), colaborando logo no álbum de estreia Travessia (1967) era ali outro rosto marcante. Então com 19 anos, Lô Borges (irmão de Márcio) revela-se então numa rota em sintonia com Milton Nascimento, que na sequência da aventura eletrificada no álbum de 1979 (que abria com uma canção que não escondia a admiração pelos Beatles), encontrou em volta deste coletivo de amigos os argumentos para um disco que poderia, pode um lado, encontrar a síntese das suas referências e, depois, fixar uma nova visão.
Ao interesse sobre rotas nascidas com a revolução da bossa nova e aos gostos rock e pelo jazz o coletivo juntou marcas de uma identidade mineira, carregada de ecos de culturas africanas e suas descendências, projetando em Clube da Esquina um ciclo de grande fôlego com uma dimensão social e política que acabaria por fazer do álbum uma sólida expressão de um tempo e de um lugar. O entusiasmo pop/rock (de vistas largas e aberto a desafios) de Lô Borges e toda uma coleção de experiências colhidas ao longo dos anos por Milton Nascimento (incluindo marcas das culturas latinas sul-americanas), juntaram-se às pistas e contribuições dos demais colaboradores em sessões de trabalho que tiverem em parte lugar numa residência que ganhou forma numa casa de praia em Mar Azul em 1971. Entre o ecletismo do grupo chamado a colaborar e um sentido de ecumenismo cultural que nasce de uma reflexão sobre a cultura mineira (sem nela contudo se fechar), o álbum duplo Clube da Esquina tornou-se uma peça determinante para a definição de rumos futuros na obra de Milton Nascimento e representa um título de referência maior na história da música popular brasileira. A capa, que nasceu da fotografia de dois rapazes de uma pequena cidade serrana do interior mineiro, tornou-se igualmente um marco iconográfico – carregado de significados – na história das capas de discos da música brasileira.