O álbum de estreia do quarteto Bala Desejo evoca memórias da música brasileira para sugerir sonhos e desejos com sabor ao tempo presente, em canções de formas e arranjos cativantes que marcam o nascimento de um nome que vale a pena não perder de vista. Texto: Nuno Galopim

As memórias dos dias de maiores restrições vividas durante a pandemia continuam a surgir fixadas através de discos e de canções. E num tempo em que nem havia gente na praia, nem concertos nem sequer carnaval, o Rio e Janeiro viu nascer um coletivo que agora nos dá a escutar uma deliciosa série de abordagens a vários universos da música brasileira, com epicentro no MPB, mas vistas largas a outros pontos de vista.
Dora Morelembaum, Júlia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra eram já amigos desde os tempos vividos na escola. Quando os “lives” através da Internet geraram frequentes espaços de comunicação entre os músicos e quem os queria escutar, deram por si a cruzar-se nos palcos virtuais da cantora Teresa Cristina. Todos eles tinham começado por viver aqueles dias sob as leis de isolamento que os confinamentos exigiram. Mas depois acabaram a partilhar juntos um mesmo espaço. A vida conjunta gerou o mesmo que acontece nas residências artísticas, com trocas de ideias e experiências, criando os berços onde foram então nascendo as canções que este ano ganharam forma em Sim, Sim, Sim.
Convém lembrar que, antes desta experiência conjunta, os quatro músicos agora unidos como Bala Desejo trilhavam conjuntos distintos. Dora era um dos elementos coletivo vocal Zanzibar; Júlia juntava ideias para um álbum a solo, Lucas trabalhara na produção de Meu Côco de Caetano Veloso e, juntamente com Zé, estava igualmente focado na produção de um novo álbum dos Dônica… A pandemia colocou um cenário inesperado à frente de todos eles. E num tempo de saudade pela fruição de lugares onde a música se fazia com outros e perante muitos mais, deram por si a traduzir, num som com alma contemporânea, uma ideia de saudade pelo que não estava a acontecer. Ecos da MPB, da bossa nova, do próprio carnaval e até da nostalgia do LP (com uma arrumação das canções em duas faces distintas), são pontos de partida para um disco que transpira familiaridades mas tem o sabor do novo, do aqui (carioca, entenda-se) e do agora. Marcas que os ocasionais arranjos elaborados e segmentos de sonoplastia elaborada, juntando outras vozes faladas às canções, ajudam a sublinhar.
Um grupo de colaboradores, entre os quais estiveram Jacques Morelembaum e Tim Bernardes juntaram-se aqui ao quarteto, criando uma música que, nascida em dias difíceis, fez sonhar. Há aqui solidão. Mas também luz, calor… Um clima tropical com sabor a desejo quando, mesmo a uns quarteirões de distância, velhos hábitos ou prazeres não eram possíveis. Mais feito de sonhos e desejos que de lamentações, um disco de pensamento positivo que é claramente um dos mais aconselháveis que o Brasil nos deu a escutar já este ano. Entretanto o grupo já se fez à estrada (passando até por Portugal). Mas aqui está um irresistível cartão de apresentação.
“Sim Sim Sim” dos Balla Desejo está lançado em LP numa edição da Noize Record Club. E está ainda disponível nas plataformas de streaming numa edição da Coala Records.