A aventura dos Rolling Stones vista pelos próprios

Minissérie de quatro episódios disponível na plataforma da HBO, “Mi Life as a Rolling Stone” olha para o percurso da banda com um reforço da carga emocional que parte do facto de cada episódio estar focado num elemento do grupo. Texto: Nuno Galopim

Perante um momento de explosão na oferta de documentários sobre figuras e espaços da música – confirmando-se aqui um terreno de exposição de trunfos entre as diversas plataformas de streaming – há que procurar ideias que se destaquem. E uma delas, não só pelo ponto de vista da abordagem, mas também pelo cuidado como recolhe elementos de arquivo, arruma uma narrativa sem a esgotar na lógica de um ordenamento cronológico dos factos e encontra modos de colocar em diálogo novas entrevistas com memórias de palavras de outros tempos, é a que encontramos em My Life as a Rolling Stone, uma minissérie de quatro episódios que podemos ver na plataforma da HBO.

A ideia maior por detrás desta minissérie nem é coisa revolucionária, mas resulta numa forma de facto distinta e muito “emotiva” de contar a história do grupo. Ao criar cada um dos quatro episódios com o foco individual nos quatro elementos da formação que o grupo conheceu depois de 1993 (ou seja após a saída de Bill Wyman) a narrativa segue sobretudo o caminho que se define pelas diferenças de personalidade de cada um dos músicos. Segue-se assim o modelo agora tão em voga da “história oral” – contada pelos protagonistas – mas separando por capítulos distintos os momentos em que cada qual se assume como a personagem principal.

Mick Jagger é o evidente pensador, o mais bem falante, o espírito agora tranquilo que olha para o arco de tempo da vida do grupo com aquela sagaz placidez de um veterano que conhece bem o caminho trilhado e até mesmo com capacidade para desmontar mitos que a história foi criando. Keith Richards é a alma rock’n’roll, o guitarrista de técnica, história pessoal e figura tomadas como referência maior por todos os que ali reconhecem a força de um paradigma. Ron Wood, que entrou em cena já nos anos 70 (após a saída de Mick Taylor, que por sua vez tomara o lugar do fundador Brian Jones) é a cola que todos une, a boa disposição e diplomacia, características que já lhe eram conhecidas nos tempos em que ainda integrava os Faces e fazia da sua casa (e estúdio) perto de Londres um dos epicentros da cultura rock da cidade de então, factos e memórias que geram talvez o mais humanamente reconfortante e surpreendente dos episódios. Criada já depois da morte de Charlie Watts, a série dedica-lhe mesmo assim o último episódio, recolhendo sobretudo palavras de arquivo que mostram ali um elemento quase alienígena entre os demais, apresentando-o como um elegante baterista que, na verdade, gostava sobretudo de jazz. Uma das mais comoventes sequências do episódio centrado em Charlie Watts entra pela alfaiataria que o tinha como cliente há décadas, narrando factos do seu gosto por fatos feitos à medida e revelando alguns que o músico acabou já por não usar…

As personalidades e idiossincrasias de cada um dos quatro ‘stones’ dá-nos assim uma outra forma de olhar para a história da banda. Das memórias de infância, dos momentos da formação do grupo e da procura de um caminho (notando-se a construção assumidamente estratégica de uma rota de diferenciação face aos Beatles) até às etapas de experimentação de novas ideias (como o disco em finais dos anos 70) ou a conquista de um modelo de espetáculo de grandes dimensões, isto sem esquecer os episódios de tensão interna, My Life as a Rolling Stone dá-nos um refrescante olhar pela história dos Rolling Stones, valorizando as qualidades emocionais do storytelling que chegam através do ponto de vista de cada um dos quatro. Há gargalhadas, mas também olhares fixos no vazio, com aquela dimensão que só a passagem do tempo dá ao modo que temos de revistar factos e pessoas.

Os quatro episódios até sabem a pouco. Mas na verdade o arco dos acontecimentos está quase todo ali… Devemos, contudo, notar a ostensiva  secundarização de Brian Jones, Mick Taylor ou Bill Wyman. Porque houve momentos importantes da história dos Rolling Stones que passam por eles.

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