Originalmente lançado em 1996, o terceiro álbum a solo de George Michael regressa em novas edições, uma delas incluindo 3LP, 5CD, fotografias da época e um livro que conta a história oral de “Older”, nas palavras de quem viu então o disco nascer. Texto: Nuno Galopim

Três anos depois de Faith um álbum de estreia que se transformara sem surpresa num fenómeno de popularidade com expressão global, acompanhado por de uma extensa digressão que correu mundo, George Michael sentiu que era chegada a hora de mudar o jogo. E, tal como em 1967 Scott Walker definiu o momento em que resolveu caminhar para além do que era o terreno que lhe dera visibilidade entre um público essencialmente juvenil, foi com um álbum que disse a todos: este sou, afinal, eu. E daí em diante seguiu outro caminho. Foi com Listen Without Prejudice – Volume 1 que a reviravolta se deu. E o título lançava logo todo um programa de significados que depois a música e as estratégias de edição justificariam. Mas não era só na música que o jogo mudava. Contra o que era o seu hábito até então, o cantor resolveu ser firme na expressão da imagem. E, sublinhando a ideia de que era chegada a hora de ouvir e não de ver, recusou surgir nos telediscos promocionais e na capa do próprio disco. Esperava-se um eventual segundo volume, mas a vida privada de George Michael acabou por afastá-lo por algum tempo da vontade de criar nova música. Em 1991, um ano depois de Listen Without Prejudice – Volume 1, conheceu, no Rio de Janeiro, Anselmo Feleppa, um com quem viveu até que a morte o levou em 1993, durante um tratamento que tentava contrariar o avanço da doença com que lutava (tinha testado positivo ao VIH em 1992). O vazio deixado pela morte de Anselmo levou George Michael quase ao silêncio, contando o livro que encontramos na nova reedição do seu álbum de 1996 que a própria batalha legal que então travou contra a editora para a qual gravava desde os tempos dos Wham! correspondeu a uma manifestação da energia que entretanto concentrara. Músico e editora acabaram por alcançar um acordo (já depois de uma batalha judicial que não foi favorável a George Michael), acabando por entrar em cena um relacionamento com a recentemente criada Dreamworks nos EUA, assegurando a Virgin a sua edição pelo mundo fora. Older, o álbum agora reeditado, corresponde ao momento do regresso depois desta manobra editorial. Mas é também o disco que fixa as memórias da dor vivida depois da morte de Anselmo Feleppa, correspondendo, de resto, a primeira canção criada para o álbum a uma primeira manifestação dessas memórias.
Revelada em 1994 em Berlim, em frente às Portas de Brandemburgo, mas editada finalmente como single apenas em janeiro de 1996, Like Jesus To A Child a canção confirmava primeiros sinais de uma nova demanda que parecia aprofundar a inflexão de rumo assinala no disco de 1990. Meses depois, em abril, Fastlove sublinhava outros rumos possíveis dentro de uma mesma vontade de encarar o regresso à música, traduzindo esta canção não apena as novos sinais de um relacionamento antigo com uma ideia de música pop ritmicamente ancorada em escolas da música de dança nascidas no outro lado do Atlântico, ao mesmo tempo assinalando um encontro recente (em estúdio) com Jon Douglas, que acabaria por partilhar com o próprio George Michael os créditos de produção do álbum que surgiria em maio desse mesmo ano com um título que deixava desde logo claro todo um programa pessoal e temático: Older.
A presença de referências escutadas entre o jazz e ecos da música do Brasil (e Tom Jobim pode ser aqui um entre vários elementos de referência a ter em conta no processo de busca de uma identidade nova para o som do álbum) iluminou a criação de Older, disco que assinalou uma presença mais evidente de cordas e metais nos arranjos, assim como contou com a contribuição de guitarras acústicas, uma vez mais a evidenciar a genética brasileira de algumas das memórias e vivências que assim encontraram um lugar entre estas canções.
Álbum de absoluta maturidade criativa e enorme sobriedade no desenho das formas de arranjos que amplificam a entrega da voz única de George Michael, Older concilia episódios de profunda melancolia (como You Have Been Loved ou o tema título) com momentos de erupção efusiva do corpo (e aqui a coisa vai da coolness de um Spinning The Wheel ao efeito de festa maior em Star People). É um episódio maior da obra de George Michael e um daqueles discos capazes de saborear o apelo clássico da canção pop, porém projetada numa linguagem “para gente crescida”.
A presente reedição inclui prints, um livro com a história oral do álbum (contada por vários daqueles que acompanharam de perto a sua criação) e junta ao disco o EP de remisturas Upper que em tempos surgiu num repackage do álbum. Ambos os discos surgem em prensagens em vinil (Older como álbum duplo), numa caixa que ainda inclui 5 CD. Dois destes discos correspondem a Older e Upper, servindo os restantes três uma coleção de remisturas de várias canções do álbum (algumas delas antes apenas disponíveis em edições promocionais), assim como lados B (entre os quais uma nova leitura de I’m Your Man dos Wham!). Entre os três discos de extras está ainda o dueto com Astrud Gilberto ao som de Desafinado (que surgiu em Red Hot + Rio) e ainda a versão de estúdio de I Can’t Make You Love Me, de Bonnie Riatt, canção que George Michael interpretou no seu MTV Unplugged. A propósito deste programa da MTV vale a pena questionar o porquê da versão áudio do (brilhante) concerto na série Unplugged ter surgido numa reedição de Listen Without Prejudice – Volume 1 e não, agora, em Older, disco ao qual esta atuação está associada…
“Older”, de George Michael, está disponível numa caixa deluxe com 3LP + 5CD, mas também em lançamentos avulso como LP, em novos lançamentos da Sony Music.