Human League “The Virgin Years”

A caixa “The Virgin Years” junta os álbuns “Dare”, “Hysteria”, “Crash” e “Romantic?” e também o EP “Fascination”, recuperando parte da discografia que os Human League editaram entre 1981 e 1990. Reedições em vinil colorido, sem temas extra. Texto: Nuno Galopim

Surgiram na Sheffield de meados de 70, quando talvez ninguém imaginasse que uma cidade cinzenta e industrial pudesse ser berço de uma mão cheia de nomes que, em breve, estariam na linha da frente das atenções da cena pop britânica. Do núcleo original que assumira a sua visão desafiante de uma música inovadora ao tomar desde logo o nome The Futrure (Martyn Ware e Ian Craig Marsh) cresceram os Human League, talhando através das electrónicas um espaço de rebeldia perante um panorama musical não muito diferente do que então acontecia com bandas punk contemporâneas. Afinal a revolução podia soar de várias maneiras. Depois de dois primeiros álbuns desafiantes, Reproduction e Travelogue, respetivamente de 1979 e 1980, ambos foçados na criação de novos sons e  formas e definir um estatuto de culto, o episódio seguinte acabaria por conduzi-los a uma crise interna. Editado ainda em 1980 o EP Holiday 80, procurou transformar em êxito mainstream o single de estreia Beling Bolied, originalmente lançado dois anos antes, remisturado agora com uma pulsão rítmica mais evidente.  O EP chegou ao número 56 do top britânico, o melhor resultado até então para os Human League. Mas a divisão de opiniões internamente era então maior que estas boas notícias. Martyn Ware e Ian Craig Marsh saíram pouco depois para fundar a B.E.F. (British Electric Foundation) e, mais tarde, os Heaven 17. Juntamente com Adrian Wright, o vocalista Philip Oakey deu por si com a banda nas suas mãos, mas sem capacidade para responder por si às solicitações. Partiu em busca de uma vocalista adicional, encontrando Ann Sulley e Joanne Catherall numa pista de dança de uma discoteca no centro da cidade. E acabou por refazer o grupo com ainda mais outros novos membros (Jo Callis e o teclista Ian Burden), estreando os novos Human League em 1981 com Boys And Girls, uma primeira tentativa. Mas a caminho vinha o álbum da mudança, Dare!. E, no fim do ano, eram número um com Don’t You Want Me.

Dare (1981) deu de facto ao mundo matéria prima para ajudar a mudar a relação do grande público com as novas linguagens e sons. O álbum aproveitava as potencialidades das vozes de Oakey e das duas novas “recrutas” e propunha um alinhamento de canções pop entre as quais nasceram dois clássicos maiores – Open Your Heart e Don’t You Want Me – e ainda uma mão cheia de outros momentos que, com o tempo, criaram escola e descendência inscrevendo este disco entre as cartilhas de referência das expressões da música electrónica em terreno popular. Frio e calor cruzavam-se, num jogo apostado em desenhar bem as cenografias, mas ao mesmo tempo firme na ideia de estruturar melodicamente cada uma das canções, dotando-as de um velho saber da linguagem pop, embora sob novos ingredientes (sonoros e também visuais). 

O sucesso foi estrondoso e global. E, como o grupo acabaria por reconhecer depois, talvez demasiado intenso e súbito para a sua capacidade de reagir. Tanto que foi preciso esperar até 1984 para que conseguissem concluir o alinhamento de um novo álbum, deixando pelo caminho os singles Mirror Man (1982) e Keep Feeling Fascination (1983), o primeiro com sinais de heranças clássicas da Motown, ambos representando o que seria o sucessor direto de Dare que, na verdade, nunca chegou a ganhar forma. Novas mudanças na equipa (entre as quais a saída do produtor Martin Rushent, que fora elemento fulcral na etapa entre 1981 e 83) deixaram os Human League numa deriva criativa que se manifestou em Hysteria (1984) disco que, mesmo com pontuais momentos capazes de reacender a luz de outrora, na verdade tropeça em várias armadilhas, uma delas um inconsequente flirt roqueiro que se escuta no single de avanço The Lebanon (que não era a primeira canção política do grupo que antes já tinha abordado o assassinato de Kennedy em Seconds) e que teria sinais ainda mais gritantes de ser ideia mal assimilada em Rock Me Again and Again and Again and Again and Again and Again (Six Times)

O passo seguinte nasceu de um desafio mais interessante, mas acabou igualmente de forma menos sorridente. Numa rota de aproximação à música americana, por via da soul (melhor ideia do que o atalho rock antes ensaiado) o grupo deu por si em estúdio com a dupla Jimmy Jam & Terry Lewis. Conta-se que, apesar dos primeiros momentos de entendimento, uma rutura terá deixado os produtores a terminar o disco sem o grupo por perto, acabando por privilegiar inclusivamente as canções que os tinham entre os autores. Se o conflito aqui gerou o desentendimento, a verdade é que a boa opção de fazer de Human o single de avanço para Crash (1986) deu aos Human League um episódio de sucesso que parecia repetir os seus tempos mais felizes, alavancando as vendas do álbum. Contudo, não havia muito mais ali a explorar, com os modelos de arranjos e produção a afogar eventuais outras ideias que ali pudessem ocorrer. Mais fiel ao ADN do grupo seria, curiosamente, por essa altura, a aventura que Phil Oakey faria com Giorgio Moroder, sobretudo no single Together In Electric Dreams (que naturalmente acabaria depois a ganhar um espaço de destaque nos concertos e ‘best of’ dos Human League).

O encerrar do capítulo de relacionamento com a Virgin Records, pela qual os Human League tinham editado todos os seus álbuns até aí fez-se com um novo episódio menos feliz. Editado em 1990, com uma banda com novos ajustes na formação, Romantic? consegue pontualmente revistar ecos dos melhores dias vividos pela banda no início da década (como acontece em Soundtrack to a Generation) ou até mesmo encontrar formas de melhor relacionamento com novas formas e sons (em Rebound). Mas sem as alavancas de sucesso de Crash nem mesmo o efeito da memória recente que animara a chegada de Hysteria, o álbum passou a leste de muitas atenções, representando um dos momentos mais desencantados (e desinteressantes) de toda a discografia do grupo.

Na hora de celebrar o legado dos Human League eis que surge uma caixa que, com o título The Virgin Years, junta os álbuns Dare (1981), Hysteria (1984), Crash (1988) e Romantic? (1990), e também o EP Fascination (1983) em novas prensagens em vinil colorido. Convenhamos que o tuttifrutti das cores aqui é mera ferramenta de marketing e parece querer ofuscar uma primeira falha: é que Reproduction (1979) e Travelogue (1980) também pertencem à fase em que o grupo editou pela Virgin. O título da caixa justifica que fiquem de fora discos claramente mais interessantes que muitos dos aqui revistados, como o foram Octopus (1995) e, sobretudo, Secret (2001). Mas porque não investiu a alminha que pensou este lançamento numa ideia de “integral” desta etapa, juntando singles e máxis de 1978 a 1990 (mesmo os que não tiveram vida em álbum), somando depois eventuais elementos extra, como maquetes, takes alternativos, gravações ao vivo? É que não há um grama de gravações inéditas por aqui… Nah, parece que, neste caso, o vinil a cores é que conta…

“The Virgin Years”, dos Human League, é uma caixa com 5 discos em vinil, numa edição da UMC/Virgin

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