O documentário “Blitzed!” junta entrevistas com músicos e outros frequentadores do clube para recordar como a cena “new romantic” emergiu num espaço noturno na viragem dos anos 70 para os 80, em busca de liberdade de afirmar a sua identidade. Texto: Nuno Galopim

Usaram-se várias designações para nomear o fenómeno. New romantics (que entre nós deu neo-românticos, nada contra), futuristas e até mesmo, nos primeiros tempos (e sobretudo em volta de Londres) até mesmo o “culto sem nome”… Havia ainda outra designação, que tinha em conta o local que fora o berço de tudo: Blitz Kids. Tudo tinha a ver com o nome de um clube noturno (há muito desaparecido) em Convent Garden, onde noites diferentes ganhavam forma na fronteira entre os anos 70 e 80, acolhendo uma série de misfits que, num tempo de convulsões políticas e socais, ali encontravam porto seguro. Em tempos o movimento fazia torcer os narizes de quem escrevia sobre música (sobretudo entre nós). Contudo, através das primeiras histórias que então chegavam através de publicações como a revista The Face ou jornal Melody Maker, aquele pequeno culto, que nascia com a música de Bowie, dos Kraftwerk ou Roxy Music como banda sonora e era habitado por jovens que se vestiam a rigor, buscando visões diferentes e desafiantes (caso contrário o porteiro não os deixava entrar), tornou-se um espaço de agitação criativa que em pouco tempo gerou a sua própria música e cativou atenções mediática. E este é o objeto da atenção de Blitzed!, documentário de Bruce Ashley e Michael Donald. Que podemos ver na plataforma Netflix.
Naturalmente sem o grau de profundidade do livro Sweet Dreams: The Story of The New Romantics, que é até agora a obra mais esclarecida (e esclarecedora) sobre o tema, o documentário começa por notar o contexto político e social do Reino Unido em finais dos anos 70, afinal o cenário no qual as Bowie Nights, com o DJ Rusty Egan e a visão estilística de Steve Strange começaram a surgir, num outro clube, o Billy’s, ainda em 1978. A passagem para o Blitz assistiu a uma marcação já regular daquelas noites semanais nos calendários de muitos que não se identificavam com o mood dos tempos. Juntando alguns antigos frequentadores destas noitadas, entre os quais estão figuras depois ligadas à moda, ao jornalismo ou à música, o filme procura desenhar o berço de uma pequena revolução de costumes que tinha no visual de quem a frequentava e na música a sua mais visível frente de afirmação. É claro que não faltam as célebres controvérsias (e nada como ter em campo Boy George e Marilyn para as evocar). Nem mesmo os episódios mais célebres, como o foram o dia em que Steve Strange barrou a entrada a Mick Jagger (porque não ia vestido de forma criativa) ou um outro em que David Bowie ali foi procurar figurantes para o teledisco de Ashes to Ashes. Mas, acima de tudo, Blitzed! procura mostrar como, da noção de liberdade recentemente levantada pela revolução punk, uma nova geração de misfits londrinos ali encontrou um espaço para viver em liberdade a afirmação da sua criatividade e identidade.
Apesar da importância dos discos na definição da identidade deste movimento e dos nomes que dali nasceram ou que ali se transformaram, talvez falte um pouco mais de música a Blitzed! Além dos já referidos Boy George e Marilyn o documentário apresenta novas entrevistas com Midge Ure (Visage, Ultravox), Rusty Egan (Visage), Gary Kemp (Spandau Ballet) ou Andy Polaris (Animal Nightlife). Há material de arquivo de noites ali vividas e imagens dos Visage e Spandau Ballet, filhos diretos deste berço, assim como dos Ultravox, que se moldaram às transformações em curso. É certo que o documentário é focado naquele clube londrino. Mas da agitação que gerou nasceram frutos diretos que deram que falar entre 1980 e 1982… Pena o documentário ter optado por não dar, como remate, uma nota da importância cultural maior que este movimento acabaria por ter.