Este é o número 58 da lista “100 Discos Daqueles que Raramente Aparecem nas Listas”… Foi editado em 1980 e, sem repetir o sucesso do álbum de estreia da cantora, levou a música de Lene Lovich a encontrar a linguagem exuberante que procurava. Texto: Nuno Galopim

Lene Lovich é um nome que hoje parece apagado da memória. Foi contudo uma força central no movimento new wave, entre finais dos setentas e inícios dos oitentas, e uma reconhecida activista pelos direitos dos animais. Nascida em Detroit em 1948, filha de mãe inglesa e pai sérvio, Lene Lovich (de nome real Lili Marlene Premilovich) cresceu no Reino Unido, onde fez formação passando por várias escolas de arte. Nos anos 70 gravou gritos para filmes de terror, escreveu letras para Cerrone (entre as quais a do célebre Supernature) antes de se ver desafiada a gravar música em nome próprio.
Herdeira das lições de Patti Smith e Debbie Harry, reinterpretando-as à luz de um certo exotismo captado na Europa Central, Lene Lovich definiu uma personalidade através de uma pop nascida da efervescência pós-punk feita de imagens bizarras, imagens estranhas e uma postura vocal única, com pequenos gritos agudos que lhe serviram de imagem de marca. Depois de uma estreia em 1979 com o álbum Stateless (que lhe valeu o êxito global ao som de Lucky Number), trabalhou com o seu parceiro de sempre Les Chapell um aperfeiçoamento e sofisticação de um som new wave mais polido, todavia não despojado da sua intensidade, do seu exotismo, da sua capacidade em fazer teatro pelo som.
Flex, de 1980, pode não ter sido o sucesso que se adivinhava depois de um álbum tão popular como o fora Stateless, mas representa o pico de forma na obra de Lene Lovich, com um conjunto de canções que poderia encher meio “best of” da sua curta, mas recomendável carreira. Editado em single alguns meses antes do álbum, Bird Song é uma canção com invulgar sentido de espaço, com ambientes e teias musicais coreografados sob um sentido arty que a afastava das mais convencionais receitas pop de top. O álbum confirmou depois as sugestões de Bird Song, com uma mão cheia de grandes canções como o festivo Angels, o sombrio You Can’t Kill Me, o épico Wonderful One ou o luminoso Joan. Tal como no álbum anterior, não faltou a cover da praxe, escolha desta feita apontada ao velho The Night, de Frank Valli. O álbum é um monumento de produção ao jeito da época, transportando as ideias de rebeldia nascidas um ano antes a um patamar de mais polida sofisticação sonora, criando um monumento de pujança pop que a presença vocal de Lene Lovich domina como poucos o teriam feito.
Lançado em 1980 pela Stiff Records (que tinha na cantora um dos seus nomes de proa), o disco atinge a definição da linguagem procurada pela cantora. Uma pop viva e intensa, onde as guitarras e ocasionais teclas convivem com a presença de um saxofone, com protagonismo maior por conta da sua voz. A sua extensa amplitude vocal, assim como uma ideia de canção que cruza uma certa simplicidade melódica com uma teatralidade intensa nas formas finais, caracterizam um disco que, apesar de todos os condimentos certos passou mais londe das atenções do que o anterior.