Editado em 1998, representando o atingir de um novo patamar de uma demanda lançada logo no início da carreira do grupo, “Sexto Sentido” é um dos melhores discos que a música portuguesa nos deu a escutar na década de 90. Texto: Nuno Galopim

Se O Fogo (1992) é talvez o mais injustiçado dos álbuns da Sétima Legião, não repetindo nem a adesão popular dos dois anteriores nem a aclamação crítica do disco de estreia, Sexto Sentido, editado em 1998 e representando o ponto final da obra discográfica (no plano das criações de maior fôlego, já que depois deste disco ainda surgiram canções inéditas em compilações), é um disco injustificadamente quase invisível no panorama da história da música portuguesa. Se imaginarmos uma lista dos melhores álbuns nacionais de todos os tempos nela certamente surgiriam discos como A Um Deus Desconhecido (1984) ou Mar d’Outubro (1987)… Mas o Sexto Sentido também lá deveria estar referenciado. Até porque representa o atingir das metas de uma demanda que a Sétima Legião iniciou logo no seu single de estreia e pela qual foi talhando todo o seu percurso pelo qual foram procurando desenhar pontes entre a modernidade das formas (e sons) da música pop/rock e ecos escutados entre tradições remotas do Portugal profundo.
Logo no single de estreia Glória / A Partida (1983) entrava em cena uma gaita de foles. Acordeão e permissões ligadas a várias geografias da música portuguesa foram entrando em cena, criando nuances e cenografias que foram definindo uma identidade que cedo criou em volta da música da Sétima Legião a sua própria região demarcada da pop nacional. De travos celtas (que em tempos se comentavam) a linguagens de percussão que olhavam bem para longe das vivências urbanas, juntando até mergulhos por sugestões de outras épocas, a música foi definindo caminhos e narrativas que foram evoluindo ao longo dos discos editados entre 1984 e 1992.
Ao hiato que se alargou depois de O Fogo (discograficamente interrompido em 1994 com um álbum ao vivo) surgiu uma nova visão desta mesma maneira de pensar que muito deve não só à nova tecnologia disponível (o sampling) mas também a expressões recentes de formas ligadas à música eletrónica. É assim que, com as recolhas de Michel Giacometti como matéria prima, novos olhares sobre velhas tradições, sons e vozes são desenhados, nascendo um disco que, mesmo distinto as linhas e sonoridades, afinal é um herdeiro direto das mesmas visões que, desde sempre, motivavam a vontade de fazer música entre os elementos da Sétima Legião. Sob um mapa de memórias que recuam no tempo e alargam as experiências a vários lugares do espaço português, Sexto Sentido é um verdadeiro tratado sobre como o passado pode servir de alicerce para um presente que quer sonhar o futuro. Belo disco, a redescobrir.