Editado em 1984 “Lusitânia” foi o segundo dos três álbuns de Lena d’Água criados sob a produção do britânico Robin Geoffrey Cable. O disco nunca conheceu reedição e tem muito mais a mostrar para além do grande êxito que então gerou. Texto: Nuno Galopim

De um encontro feliz durante um concerto nasceu uma das mais marcantes colaborações da pop portuguesa dos anos 80. Robin Geoffrey Cable, produtor inglês com uma história profissional que se cruza com as primeiras gravações dos Queen, passou pelos míticos Trident Studios e ainda por discos de nomes como os de Chris de Burgh, Bonnie Tyler ou Rita Coolidge, vivia na época no Algarve, casado com uma portuguesa e já com um filho nascido entre nós. Viu um concerto de Lena d’Água, quando a cantora dava os primeiros passos depois da etapa vivida na Salada de Frutas e era então acompanhada pela Banda Atlântida, com a qual tinha já gravado em 1981 um primeiro single, Vígaro Cá, Vigário Lá. O produtor britânico gostou do que viu em palco e foi ele mesmo quem teve a iniciativa de propor, a Lena d’Água, que trabalhassem em conjunto. Assim foi, surgindo Robin Geoffrey Cable como produtor do álbum de estreia a solo Perto de Ti (1982), um dos mais marcantes dessa etapa numa história pop/rock que então explodia em Portugal. Esses foram os primeiros passos de um trabalho conjunto que envolveria ainda mais dois álbuns, num arco de tempo que se estendeu até 1986. E entre esses discos criados em conjunto conta-se Lusitânia, outro dos grandes álbuns da obra de Lena d’Água, mas que tantas vezes acaba quase ofuscado entre o que foi o impacte de Perto de Ti e as novas visões que chegariam mais adiante, já na companhia de António Emiliano, em Aguaceiro.
Se os trabalhos de captação e a produção de Robin Geoffrey Cable conferiram aos discos que Lena d’Água gravou entre 1982 e 86 características de sofisticação e nitidez sonora distintivas, há que sublinhar ainda a presença de uma outra importante força criativa, de resto ainda mais transversal à obra da cantora: Luís Pedro Fonseca. Tal como mais tarde o faria Pedro Sousa Martins (em Desalmadamente), este colaborador regular definiu uma escrita (na música e nas palavras) em tudo adequada à voz e personalidade de Lena d’Água. Temáticas que lhe são caraos s, como olhares críticos sobre o mundo ou os modos de falar do amor ou ainda as imagens poéticas envolvendo a água, cruzam mais uma vez o alinhamento de um álbum que, se por um lado gerou um dos clássicos maiores da cantora – Sempre Que o Amor Me Quiser -, por outro guarda em si pérolas maiores como Ajinomoto (que refletia sobre um encantamento generalizado pelas novas geringonças electrónicas que então chegavam do Japão) ou Trabalhar Para Ganhar a Vida (outro exemplo de uma dimensão política e social que marcou algumas das grandes canções da obra de Lena d’Água).
Nascidas na sequência do desafiante Jardim Zoológico (editado apenas em single em 1983), as canções de Lusitânia respiravam um sentido de contemporaneidade pop moldada por ecos dos tempos e mostravam sinais de transformação, face ao disco anterior, com maior presença de elementos eletrónicos (como se escuta por exemplo em Eu Tenho Um Sonho) e, naturalmente, uma formação nova da banda Atlântida (na verdade apenas citada no inlay e não na capa, que apresenta apenas a referência a Lena d’Água). No plano das formas musicais vale a pena não deixar de referir a desafiante arquitetura rítmica de Quando Vem do Amor, outro dos grandes momentos do álbum. Já o tema que dá título ao álbum é um instrumental que experimenta uma outra dimensão cenográfica igualmente bem moldada pelo trabalho de produção.
À exceção de Perto de Ti, o único disco de Lena d’Água que em tempos conheceu uma reedição em CD (com extras) 2008, Luisitânia existe apenas na prensagem original em vinil de 1984 e está presente nas plataformas de streaming. Se algum dia alguém decidir devolver este álbum aos escaparates das novidades fará um bom serviço à memória pop/rock portuguesa dos anos 80.