Criado para assinalar o 70º aniversário do músico japonês, “To The Moon and Back” apresenta novas abordagens a momentos da sua obra por nomes como os de David Sylvian, Alva Noto, Fennez, Cornelius, Hildur Guðnadóttir ou a Cinematic Orchestra. Texto: Nuno Galopim

Se bem que as últimas (e devastadoras) notícias, enunciadas com a tranquilidade como que conhecemos a sua forma de comunicar, tenham dado conta de uma segunda luta contra uma doença que, em tempos conseguira vencer, embora desta vez sem o mesmo horizonte feliz pela frente, o aparecimento de um disco de tributo a Ryuichi Sakamoto não foi criado como uma forma de antecipar, ainda em vida, um momento de homenagem. Na verdade este projeto estava já em curso bem antes de sabermos do estado atual de saúde do músico japonês e que, na verdade, esta reunião de novas abordagens à sua música surgiu de um facto de calendário. É que, em 2022, Ryuichi Sakamoto completou 70 anos de vida. E esta viagem de ida e volta à sua música surge, assim, para assinalar, ainda este ano, este momento.
O alinhamento junta uma série de nomes que com ele já antes tinham colaborado (como David Sylvian, Alva Noto, Cornelius e Fennesz), acrescenta outros que o têm como referência maior (Thundercat, Devonté Hynes, Cinematic Orchestra ou Hildur Guðnadóttir) e ainda figuras que o próprio Sakamoto admira profundamente (Lim Giong, Gabrial Wek ou 404.zero). O lote é de geografia (musical e física) vasta, sublinhando desde logo a extensão dos ecos que foram chegando de uma obra que recua aos anos 70 e que juntou a criação ora de canções ora de peças mais experimentais, valorizando também, desde relativamente cedo, uma importante (e continuada) relação com a criação de música para o cinema e a televisão.
As novas abordagens (ou “remodelareis”, expressão já antes usada no disco de remisturas editado como complemento de Async, vincam as identidades de quem as assina, embora mantendo sempre intactas as qualidades raras das marcas do autor. São particularmente belas as transformações de Hildur Guðnadóttir para World Citizen – I Won’t Be Disappointed (nascido originalmente para a voz de David Sylvian), a de Corneius para Thatness & Thereness (que recua aos tempos do clássico B-2 Unit), a de Fennez para Amore (do superlativo Beauty), a da dupla Electric Youth para o tema do filme Merry Christmas Mr Lawrence, assim como a de Alva Noto sobre a banda sonora de The Sheltering Sky, ainda a de Choral No. 1 (com origens em BTTB) por Devonte Hynes e, naturalmente, a contribiução de David Sylvian, a reinventar Granis (Sweet Paulownia Wood). Tranquilo, ciente das raízes autorais mas reativo perante as personagens que entram em cena e o tempo em que o fazem, To The Moon and Back contraria a experiência frequente em tantos outros discos de tributo pelos quis muitas vezes se contam pelos dedos de uma mão os episódios de transformação que justificam que levemos o disco para casa. Este, e o evidente respeito e admiração dos envolvidos por Sakamoto sublinha-o, é peça a juntar, sem hesitações, à discografia do grande músico japonês. No fim fiquei também com vontade de regressar aos originais revistados… E não é também para isso que se fazem homenagens?
“To The Moon and Back – A Tribute to Ryuichi Sakamoto”, disco que junta vários artistas, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da Milan.