Apesar de ter representado um fracasso comercial na altura (em 1969), foi em Scott 4, que o músico edita originalmente como Nigel Scott Engel, que podemos encontrar o disco que fixa e eleva a um patamar maior uma visão que vinha a procurar desde 1967. Texto: Nuno Galopim

Do ‘teen star’ americano dos anos 50 ao autor de discos que revelaram outras dimensões para a sua voz no final dos anos 60, dos Walker Brothers ao visionário que assinou discos tão cativantes como perturbantes nos últimos 35 anos, Scott Walker foi alguém que procurou sempre olhar para além do seu tempo e do seu espaço. Faria hoje 80 anos.
Depois de uma primeira etapa de juventude vivida (a solo e em primeiras bandas) em função das correntes do momento e, depois, já com os Walker Brothers, de um segundo percurso que assistiu a uma gradual mudança de rumo, dá por si a trabalhar em nome próprio em 1967. Procura novos caminhos, alarga os horizontes dos arranjos, explorando as potencialidades dos sons da orquestra. E, nascido em contraciclo num verão que assistia ao florescer definitivo do psicadelismo, o álbum de estreia a solo (ao qual chamou Scott) definiu um modelo que seria retomado, sob ocasionais diferenças, nos discos seguintes Scott 2 e Scott 3. A grande mudança chegaria, em 1969, em Scott 4.
Apesar de ter representado um fracasso comercial na altura, é em Scott 4, que o músico edita originalmente como Nigel Scott Engel, que podemos encontrar a sua obra-prima. Este foi o primeiro disco integralmente feito de composições de sua autoria e no qual, sem se afastar dos caminhos que percorrera nos três álbuns anteriores, vinca marcas de personalidade num lote de canções mais do que nunca afastadas da simplicidade melodista da pop e muitas vezes mais parecendo nascidas de fragmentos de ideias.
O alinhamento inclui canções como Hero of The War (sobre o absurdo que é a guerra), Rhymes of Goodbye (que assimila elementos da country), Duchess ou The Old Man’s Back Again (Dedicated To The Neo-Stalinist Regime), canção que comenta os recentes acontecimentos de repressão em Praga e evidencia a alma política que emerge entre uma escrita habitada por ambiguidades através das quais se revelam frestas (nem sempre decifráveis) do mundo de um solitário.
Durante a gravação de Scott 4 o músico tinha ao pescoço a chave de uma cela para meditação num mosteiro beneditino na ilha de Wight onde fazia retiros desde 1966. A opção pela utilização do seu nome real, e não da persona musical que tinha criado anos antes, sublinha essas assombrações de solidão, num mundo povoado por estímulos que chegam então da escrita de Camus ou do cinema de Bergman (em particular o filme O Sétimo Selo).