Editado em 1982, “Também Eu”, sexto álbum da Banda do Casaco, procurou, apesar do modelo mais clássico da canção “Salvé Maravilha”, novos desafios para o trabalho vocal, colocando em cena aquilo a que então chamaram “ilustrações fonéticas”. Texto: Nuno Galopim

Não alinhados entre os mais desalinhados, a Banda do Casaco representou um dos mais inspirados, desafiantes e deliciosamente desconcertastes trajetos na história da música popular portuguesa dos anos 70 e inícios de 80. Na verdade a música e as ideias já vinham de trás, de finais dos sessentas. Havia primeiros discos em outras bandas, do Música Novarum (que revelara Nuno Rodrigues) à Filarmónica Fraude (onde surgira António Pinho). Reunidos por um amigo comum em 1973, com as canções entretanto gravadas em 74, a Banda do Casaco apresentou o seu primeiro single ainda no ano da revolução e lançou o álbum de estreia em 75. Dos Benefícios do Vendido no Reino dos Bonifácios era um disco diferente de tudo o que se escutara entre nós, lançando um paradigma que cada novo lançamento respeitaria. Nunca nenhum disco foi igual ao anterior e, ora por novas demandas de sons e ideias, ora como fruto de uma sempre mutante formação do próprio coletivo. E uma dessas mudanças estruturais está na base dos acontecimentos que ficaram fixados em Também Eu, sexto (e penúltimo) álbum da Banda do Casaco, editado em 1982.
Presente no coletivo desde o início da aventura, António Avelar Pinho fora o responsável pela criação das palavras que acentuavam o caráter desalinhado e um muito peculiar sentido de humor que cruzara as canções do grupo nos seus primeiros cinco álbuns. Depois de No Jardim Na Celeste (de 1980), disco que inscreveu na história da música portuguesa a expressão igualitária “não há cu que não dê traque” (na canção Natação Obrigatória), afastou-se do projeto, deixando um dilema por resolver: e agora, que palavras para as novas canções? A resposta chegou num voo de avião de Londres para Lisboa, quando o técnico de som José Fortes (que acompanhou toda a discografia do grupo) sugeriu a Nuno Rodrigues que encarasse a voz como som. Nasceram então as “ilustrações fonéticas” (expressão então usada em entrevistas para descrever o que ali se escutava e que tem em Esvoaço Em Lorilai um episódio maior) que, com pontuais episódios de exceção, se tornaram assim uma das marcas distintivas deste disco de 1982.
Né Ladeiras, que tinha já participado no álbum anterior, assume um papel de protagonismo vocal, cabendo a si, em Salve Maravilha, a canção que, com letra mais “clássica”, representaria o cartão de visita para o álbum, gerando inclusivamente um êxito de rádio (não editado contudo no formato de single). A Né Ladeiras e a Nuno Rodrigues juntam-se aqui Celso de Carvalho, Tó Pinheiro da Silva, Zé Nabo, Peter Harris e, tal como no disco de 1980, o baterista Jerry Marotta, que então trabalhava com Peter Gabriel. Distante já das visões folk do início do trajeto da Banda do Casaco, a música não perde contudo um sentido apelo idílico pastoral, sobretudo em momentos cenograficamente mais líricos onde a voz se liberta das palavras para ajudar a desenhar paisagens feitas de som. Também Eu é contudo, e sobretudo, um disco de novos desafios e formas, inclassificável na nomenclatura habitual dos “géneros” musicais (não é pop, não é jazz, não é ambient, não é progressivo, não é tradicional, mas tem uma pouco de tudo muito à sua maneira, sem querer criar um mostruário de referências, antes, sugerindo um espaço muito próprio e demarcado, sabendo contudo criar um corpo coeso de peças que, como sugere o formato do álbum, criam de facto um ciclo coerente e consistente.