Editado em 2019, o disco de tributo “Ces Gens-Là” inclui novas leituras para clássicos de Jacques Brel assinadas por nomes como os de Marianne Faithfull, Carla Bruni, Madeleine Peyroux, Slimane ou Melody Gardot, entre outros. Texto: Nuno Galopim

Um dos mais importantes escritores de canções do século XX, o belga Jacques Brel (1929-1978) é também um dos autores com mais canções interpretadas por outras vozes. Não é por isso surpreendente que, de vez em quando entrem em cena discos que juntem versões de canções suas. E não faltam aí exemplos, como Hommage à Brel (de 1978, com gravações de Barbara, Andre Claveau, Jeam-Claude Pascal ou a orquestra de Frank Pourcel) ou Next Brel (de 2004, alargando a recolha a outras geografias, com versões de Scott Walker, David Bowie, Dusty Springfield, Marc Almond ou os Divine Comedy), entre outros mais. Menos frequentes têm sido os discos de tributo com versões expressamente criadas para o alinhamento em questão. Foi disso exemplo Aux suivant(s) que, em 1998, tinha reunido nomes como os de Alain Bashung, Faudel, Arthur H ou os Noir Desir, num lançamento da Barclay, a editora que em tempos tinha editado os discos do próprio Brel. Mais recentemente entrou em cena Ces Gens-Là (recuperando o título de uma canção célebre de 1966) um disco que, sob coordenação de Larry Klein, cruzou nomes de várias gerações, géneros e proveniências, apresentando, entre outros, Marianne Faithfull a cantar Port of Amsterdam ou Carla Bruni em Quand on n’a Que l’Amur, incluindo ainda leituras de Vesoul por Thomas Dutronc, La chanson des vieux amants por Melody Gardot, Voir un ami pleurer por Madeleine Peyroux, Ne Me Quitte Mas por Slimane ou Les vieux por Michel Jonas.
Este gosto de gravar versões de Brel, porém, é antigo. E começou a ganhar forma ainda bem cedo, com a francesa Barbara a dedicar-lhe a totalidade do alinhamento do seu terceiro álbum, ao qual chamou Barbara Chante Brel. O ano era o de 1961 e, apesar de por aqueles dias ter já fixado em disco gravações de canções suas como Ne Me Quitte Pas, La Valse a Mille Temps ou Quand On N’A Que L’Amour o próprio Brel ainda não tinha sequer juntado à sua discografia algumas outras canções de impacte maior como Les Bourgeois, Le Plat Pay, Les Bonbons, Jacky ou Amsterdam. O álbum de Barbara estava, contudo, longe de representar uma absoluta surpresa já que, ainda nos anos 50, vozes como as de Juliette Gréco, Dalida, Yves Montand ou Simone Langlois já o tinham cantado e levado a disco.
Em 1960 coube a Sam Cooke ser dos primeiros a transportar a música de Jacques Brel para outros idiomas ao gravar I Belong To Your Heart, uma versão de Quand On N’A Que L’Amour). No mesmo ano Een Wals Uit Duizenden, versão em língua flamenga de La Valse À Mille Temps, surgia na voz de Corry Brokken, a vencedora, em 1957, da segunda edição do Festival da Eurovisão. E em 1964 coube ao Kingston Trio a primeira versão de uma adaptação à língua inglesa de Le Moribond, com letra assinada por Rod McKuen e com o título Seasons In The Sun. Antes mesmo de várias versões lendárias de Ne Me Quitte Pas (uma delas cantada em francês, em 1965, por Nina Simone), Seasons In The Sun transformou-se numa das canções de Brel com maior impacte internacional, sobretudo em território pop/rock, com versões assinadas por nomes como os Beach Boys, Nirvana ou Black Box Recorder.
Na década de 60 Joan Baez, Frank Sinatra, Petula Clark, Shirley Bassey, Dusty Springfield, Tom Jones ou os The Seekers juntaram-se à multidão (em crescimento) de vozes que recriaram canções de Brel em outras línguas. Coube, porém, ao impacte do musical Jacques Brel Is Alive and Well and Living in Paris, com letras traduzidas por Mort Shuman e Eric Blau, o papel de amplifucar a divulgação das canções de Brel a plateias norte-americanas (na sua estreia off-Broadway em 1968) e, depois, britânicas. Por esta altura Scott Walker estava a assimilar igualmente a obra de Brel e, entre os seus três primeiros álbums a solo, editados entre 1967 e 1969, gravou um total de nove versões de composições do cantautor belga (que anos depois reuniria na compilação Scott Walker Sings Jacues Brel. No início dos anos 70 coube a David Bowie a vez de expressar esta mesma admiração, ao levar frequentemente a palco (e depois a disco) versões de Amstyerdam e My Death. Admirador de Bowie e de Scott Walker, Marc Almond foi, entre a geração seguinte, um dos que mais vezes cantou e gravou Brel, apresentando em 1989 Jacques, um álbum integralmente dedicado às suas canções, assinando ainda, uma versão de Jacky (no seu álbum The Tennement Symphony), gravando ao vivo If You Go Away no grande espetáculo que deu em setembro de 1982 no Royal Albert Hall (e que gerou o álbum Twelve Years of Tears), tendo ainda, com o projeto Marc and The Mambas, recriado The Bulls (ou seja, Les Toros) no álbum Torment and Toreros (1983). Entre as muitas versões levadas a disco nos anos 80 vale a pena lembrar as que, no EP Nicky, o então estreante Momus apresentou em 1986.
A música de Jacques Brel chegou a mais idiomas e vozes. Klaus Hoffman cantou-o em alemão, Patty Pravo em italiano e os russos Mumiy Troll (que representaram o seu país na Eurovisão em 2001) levaram as suas canções mais a leste. Salome, por sua vez, cantou-o em catalão e Raphael em castelhano. Já outras cantoras com triunfo eurovisivo, como Gigliola Cinquetti, Vicky Leandros ou Sandie Shaw, registaram versões de Ne Me Quitte Pas em francês. Entre nós Carlos do Carmo foi sempre um confesso admirador de Brel e cantou-o em várias ocasiões, numa delas tendo recriado, ao lado de Bernardo Sassetti, o clássico Quand On N’A Que L’Amour. A brasileira Nara Leão também manteve o original em francês quando cantou La Colombe. Já Simone de Oliveira, em 1974 cantou-o em português, numa versão a que chamou Não Me Vás Deixar.