Tom Verlaine (1949-2023)

Fundador dos míticos Television, autor de marcante obra a solo gravada em disco desde 1979, o cantor, autor e guitarrista Tom Verlaine morreu este fim de semana em Manhattan (Nova Iorque). Tinha 73 anos. Texto: Nuno Galopim

É equívoca e redutora a visão do punk como uma “revolução” que trouxe novos caminhos à música pelo facto de mostrar que qualquer um podia ter uma banda. Essa não é uma inverdade para alguns dos nomes que associamos à sua génese. Mas nem toda a música nascida sob o “chapéu” do punk se fez com músicos autodidatas e uma dieta magra de acordes. Se rumarmos a Nova Iorque,  em meados dos anos 70, veremos que, entre os palcos do CBGB’s, do Max Kansas City, do Mercer’s Art Center (antes, claro, do seu colapso) ou, depois, do The Kitchen, se assinalava então a presença de nomes como os de Patti Smith (que tinha publicado poesia antes mesmo de fazer discos), os Modern Lovers (claramente influenciados pelos Velvet Underground) ou, mais adiante, os Talking Heads (com raízes na passagem de parte da formação pela Rhode School of Design) ou os Television. Estes últimos eram fruto de uma nova etapa de uma antiga cumplicidade entre o guitarrista Richard Hell e o vocalista Tom Verlaine, nascida nos dias em que ambos frequentavam um colégio interno, o primeiro ainda então conhecido pelo seu nome real Richard Meyers, o segundo como Thomas Miller. Foi por essa altura que Thomas descobriu um interesse pela poesia, que o levaria a adotar como nome artístico o apelido do poeta simbolista francês Paul Verlaine. E a acrescentar o gosto em trabalhar a palavra a uma relação com a música que tinha começado bem cedo, quando começara a ter aulas de piano e, mais tarde, depois de escutar Stan Getz, de safoxone. Coube depois, como reza a mitologia, à canção19th Nervous Breakdown, dos Rolling Stones o momento de nova epifania que o levaria a encarar de outro modo a guitarra, instrumento que aprendeu a dominar, afirmando-se, com o passar tempo, um dos mais interessantes e desafiantes entre os guitarristas da sua geração e que nos deixou agora, aos 73 anos, na sequência de uma doença breve (como foi revelado pela filha de Patti Smith).

Todo este percurso, como o de alguns outros pioneiros do punk nova-iorquino, denunciam histórias pessoais com interesses pela poesia e (ou) formação escolar na música ou artes visuais, contrariando as tais eventuais visões “simplex” do punk. De resto, e depois de uma etapa vivida nos Neon Boys, com o amigo Richard Hell (que ainda passa pela génese dos Television mas se afasta antes da criação do álbum de estreia Marquee Moon, em1977), Tom Verlaine, mesmo sendo muitas vezes “rotulado” entre os pioneiros do punk, é alguém cuja música (inclusivamente nos Television) pode levantar debates sobre a sua ligação ao género, levantando sugestões de complexidade e personalidade vincada que, em conjunto com a sua escrita e voz dele fez uma figura de referência, admirado ente pares, de David Bowie (que cantou o seu Kingdom Come) a Lloyd Cole ou os R.E.M., entre muitos mais.

Nascido numa pequena cidade no estado de New Jersey em 1949, com infância passada no Delaware, deu por si em Nova Iorque, com o amigo Richard Hell, onde finalmente deram luz verde ao sonho partilhado de fazer música. Verlaine acabaria por conduzir os destinos dos Television já sem Richard Hell, vendo o álbum Marquee Moon, apesar das vendas discretas, a transformar-se, com o passar do tempo, num título de referência e presença nas listas de melhores e mais influentes discos de sempre. O grupo editaria um segundo álbum, Adventure (1978), separando-se e dando a Tom Verlaine espaço para uma carreira a solo que juntaria à sua obra os álbuns vocais Tom Verlaine (1979), Dreamtime (1981), Words From The Front (1982), Cover (1984), Flash Light (1987), The Wonder (1990) ou Songs And Other Things (2006), os discos instrumentais Warm and Cool (1992) e Around (2006) aos quais juntou mais recentemente a gravação ao vivo Live From Turin (2021). 

Um relacionamento com Patti Smith levou-o a colaborar no seu single de estreia Hey Joe (1974) e no álbum de estreia Horses (1975), mais adiante tendo contribuído para os discos Gone Again (1996) e Gung Ho (2000), antes de integrar a banda na digressão em 2005 na qual a cantora recordou o seu clássico álbum de estreia. Entre 1996 e 97 Verlaine produziu três sessões de gravações para o segundo álbum de Jeff Buckley que, apesar de não terem satisfeito completamente o jovem músico, acabaram por ser lançadas postumamente em 1998 como Sketches For My Sweetheaert The Drunk após a sua inesperada morte, por acidente. Depois de 1992 Tom Verlaine dividiu o seu tempo entre a obra a solo e os Television, que se voltaram a juntar, tendo gravado um novo álbum de estúdio (Television, 1992) e cumprindo uma agenda de palcos da qual nasceriam registos ao vivo ). Em 2007 integrou os Million Dollar Bashers, uma “superbanda” (onde estavam também Lee Ranaldo dos Sonic Youth ou o baixista dos Wilco e o guitarrista de Dylan) que contribuiu com algumas versões para a banda sonora de I’m Not There, de Todd Haynes.

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