Editado em 1965, incluindo canções de Jacques Brel, Charles Aznavour, Anthony Newley ou Screamin’ Jay” Hawkins, o álbum “I Put A Spell On You” traduz uma atenção pelo ‘mood’ da cultura pop da época e deu um grande êxito a Nina Simone. Texto: Nuno Galopim

os discos que Nina Simone editou pela Phillips entre 1964 e 1967 representam uma das etapas mais marcantes da sua discografia. O relacionamento com a Phillips abriu com Nina Simone in Concert (1964), edição de um registo captado ao vivo (com acompanhamento de um quarteto de jazz) que corresponde ao primeiro momento em que uma canção de temática claramente política teve um peso maior num disco da cantora, fazendo de si desde logo uma voz na linha da frente da luta (em curso) pela igualdade de direitos civis. Ao cantar Mississippi Goddam, canção de sua autoria explicitamente focada num caso de violência recente em Birmingham, no Alabama, Nina Simone não só criava um dos seus “clássicos” como dava voz a uma luta que era também sua.
Seguiu-se Broadway… Blues… Ballads (ainda em 1964), um espantoso exercício de assimilação de um registo mais clássico, com arranjos orquestrais, que evidenciava as características dramáticas da voz e que antecedeu I Put a Spell On You (1965), um dos seus álbuns de estúdio mais arrepiantes pelo qual passam, entre outras, duas composições de Charles Aznavour, duas outras de Anthony Newley (uma delas uma incrível leitura de Feeling Good), uma abordagem à célebre canção de “Screamin’ Jay” Hawkins que dá título ao álbum e uma versão de Ne Me Quitte Pas de Jacques Brel (cantada em francês) que mostra como o poder da interpretação vale bem mais do que o domínio da pronuncia de uma língua.
O disco, que traduz ao longo do alinhamento, ecos dos sinais dos tempos na música pop, tendo representado, sem surpresa, um dos episódios de maior sucesso da obra de Nina Simone, que teve aqui a sua primeira incursão de visibilidade mais significativa em mercados internacionais. Produzido por Hal Mooney, que tinha vivido os anos 50 em Hollywood e era então uma figura em tempo de afirmação junto de grandes vozes dos sessentas, o álbum espreita ecos do rock’n’roll em Gimmie Some mas não deixa de sublinhar a alma jazz de Nina Simone no instrumental Blues on Purpose.
A etapa na Phillips juntou ainda novas marcas assimiladas e transformadas de heranças do sul e da ruralidade americana em Pastel Blues (1965) e ecos do grande songbook americano em Let it All Out (1966), discos aos quais se seguiu o magistral Wild is the Wind (de 1966, um álbum de “sobras” de gravações de sessões anteriores) e ainda o histórico High Pristress of Soul (1967) álbum que encerra em glória a essência de um processo que esta etapa documenta: a da transição de uma vivência inicial trilhada no jazz para os domínios da música soul.