Contendo canções como “Mad World” ou “Changes”, o álbum “The Hurting”, explorava não só temáticas longe de festivas, como refletia na música uma vontade em não se fechar nos espaços mais imediatos da canção pop ‘mainstream’ de então. Texto: Nuno Galopim

Em meados dos anos 80 seriam protagonistas de um fenómeno de popularidade global lançado pelo impacte dos singles “Shout” e “Everybody Wants To Rule The World” e pelo sucesso do álbum “Songs From The Big Chair”. No final da mesma década surgiriam reinventando heranças clássicas da pop e do rhythm’n’blues num álbum afogado em excessos de detalhe e produção que lhes fizeram mais mal que bem. Mas quando se estrearam em inícios dos oitentas, os Tears For Fears eram uma banda com uma visão pop muito pessoal, algo minimalista nos recursos, mas cheia de canções absolutamente brilhantes.
Editado depois de três singles que muito prometiam – “Suffer The Children” (1981), “Pale Shelter” (1982) e “Mad World” (1982) – o álbum de estreia “The Hurting” podia ter ficado na história como sendo “apenas” um grande momento na história de uma pop made in UK diretamente nascida das heranças do universo new wave. Mas o sucesso inesperadamente obtido por canções como “Mad World” e “Change” colocaram o grupo num patamar de grande visibilidade. “The Hurting” é, todavia, um disco invulgarmente povoado por ideias que não são necessariamente as que constroem êxitos.
Meditações pessoais habitam as letras, que falam sobretudo sobre ecos de memórias traumáticas do próprio Roland Orzabal nos dias de infância, refletindo ainda sobre o que é viver sob os efeitos de uma depressão. Na música, as abordagens à composição e arranjos espelhavam igualmente vincadas marcas de identidade. É que, mesmo tendo depois o álbum“Songs From The Big Chair” conhecido opções formais algo ousadas para moradores de terreno mainstream, “The Hurting” revela um alinhamento que transcendia o espaço da pop marcada pelos sinais dos tempos de um “Mad World” para ensaiar também caminhos mais exploratórios em “Ideas as Opiates” (originalmente um lado B) ou uma noção de cenografia mais complexa em “Memories Fade”, num quadro melodista de alma pop que gerou ainda pérolas como as que escutamos em “Pale Shelter”, “Changes” ou no tema-título.