Editado em 1986, “The Colour of Spring”, terceiro álbum dos Talk Talk, manteve a relação com o formato clássico da canção pop, mas contrariou o relacionamento do som do grupo com as tendências pop de então, vincando marcas de personalidade. Texto: Nuno Galopim

Da banda animada pela luminosidade new wave que nos deu “The Party’s Over” em 1982 ao evidente mergulho numa identidade que transcendeu as fronteiras da canção pop perante o desafio de liberdades jazzísticas por alturas de “Spirit of Eden” (1988), os Talk Talk protagonizaram uma carreira ímpar, em muito abençoada pela visão (e personalidade) do vocalista Mark Hollis, mas igualmente marcada pela colaboração (a partir de 1984) do produtor Tim Friese-Green. Editado em 1986, “The Colour of Spring”, terceiro álbum do grupo, pode ser entendido como um episódio de transição, tomando ainda por ponto de partida uma visão para a canção pop com capacidade para chegar a um grande público. Essa ideia pop(ular), que caracterizara a obra anterior dos Talk Talk, conhece contudo aqui o confronto com uma outra atitude, que em breve levaria o grupo a um patamar de experimentação mais confiante, entre ecos do jazz e de noções de música ambiental, que ganharia forma no álbum seguinte, em 1988.
Nascido no cruzamento entre estes dois caminhos, o álbum “The Colour of Spring” é contudo mais do que apenas um momento de pensar eventuais mudanças, marcando o seu tempo e sugerindo um ciclo de canções com a coerência de um todo. Um álbum, com principio, meio e fim, com uma alma própria, um som e uma identidade (estética e temática)… Não que os discos anteriores do grupo tenham sido meras somas de canções disponíveis, até porque o belíssimo “It’s My Life”, de 1984, sugeria já a noção de busca de uma coerência interna que, de facto, o destacou entre as demais criações pop do seu tempo. Mas, em 1986, o que “The Colour of Spring” nos mostra é, sobretudo, uma banda animada pelo desejo de aprofundar a busca de uma identidade, afastando-se por isso das linguagens mais unânimes que então se expandiam ao seu redor, apostando antes na definição de um corpo instrumental mais clássico (com eventuais ecos de heranças mais livres de algum rock dos anos 70 mas sem perder a noção de forma da canção) onde as guitarras (elétricas e acústicas) e o som de um órgão (nas mãos de Steve Winwood) ganharam protagonismo.
As canções são assinadas pelo vocalista Mark Hollis e por Tim Friese-Green (que se juntara à equipa criativa no disco anterior), e traduzem o aprofundar de uma escrita que, já no álbum de 1984, revelara já sinais de vontade em mudar de rumo e que em “Chameleon Day” sugeria, por sua vez, embora discretamente, o caminho que dois anos depois os levaria ao jazzístico e ambiental “The Spirit of Eden”.