Quando foi editado, em 1983, “Dazzle Ships” perdeu 90% do público que tinha aderido ao álbum anterior do grupo. 40 anos depois, esse disco mais exploratório, com gravações de rádio e influenciado pelos minimalistas americanos, tem nova edição. Texto: Nuno Galopim

Foi, literalmente, como se os Orchestral Manouevers in the Dark (OMD) tivessem resolvido aplicar a velha máxima: “e agora para algo completamente diferente”… Dois anos depois do sucesso colossal de “Architecture & Morality” (que tinha alcançado vendas na ordem dos três milhões de exemplares) o quarto álbum dos OMD ganhou forma não como um (expectável) episódio de evolução na continuidade mas, antes, como uma radical mudança de orientação rumo a espaços onde a experimentação ganhava claro protagonismo. Isso não implicou a ausência de canções pop no alinhamento de um disco que, na verdade, soube dosear bem os seus momentos de design mais atípico com outros nos quais a canção pop eletrónica emergia, se bem que enquadrada no contexto temático que o disco sugeria. Dois singles chegaram mesmo a ser extraídos do alinhamento de “Dazzle Ships” – em concreto “Genetic Engineering” e “Telegraph” – apenas o primeiro tendo, contudo, gerado um novo episódio de algum sucesso. O álbum, contudo, e quando comparado com o anterior, passou longe das atenções do grande mercado, perdendo cerca de 90% do público que tinha aderido a “Architecture & Morality”.
Eles mesmos contaram que lhes tinha sido sugerido que, se fizessem um eventual “Architecture & Morality – Parte 2” voltariam a ter um sucesso colossal e seriam uns novos… Genesis. Não era essa a ideia… Mas também não apostaram na diferença como ato de auto-destruição. Até então tudo o que tinham feito parecia ter sido abençoado com um toque de Midas… Uma canção sobre um bombardeiro, duas sobre Joana d’Arc… E de facto todas elas geraram sucesso. Achavam, de facto, se levassem, a um disco as gravações de rádio de onda curta que faziam regularmente em estúdio, assim como reflexões sobre a guerra fria, o seu público teria continuado com eles. Assim não foi, tendo a ideia de “culpa” habitado por ali até que, no álbum seguinte, “Junk Culture” (1984), o sucesso lhes voltou a bater à porta. Curiosamente, 40 depois, é do mais estranho “Dazzle Ships” e não do popular “Junk Culture” que músicos e melómanos falam, os primeiros tomando o disco como referência, os segundos expressando profunda admiração para um álbum que, contra o que talvez muitos esperassem quando o sucesso não o iluminou em 1983, resistiu afinal à passagem do tempo. Daí que seja agora reeditado com conteúdos extra que vão desde maquetes e gravações ao vivo a outras peças criadas por esses dias.
Inspirado por um quadro de Edward Wadsworth, “Dazzle-ships in Drydock at Liverpool”, que se pode ver na National Gallery of Canada, em Ottawa (Canadá), e que ditou inclusivamente as linhas que o designer Peter Saville levou ao próprio trabalho gráfico do disco – “Dazzle Ships” é um álbum no qual os OMD tanto expressam o seu desejo em acolher mais claramente uma dimensão experimental que era naturalmente associada à história da música eletrónica como representa o momento em que, mais do que nunca, dão voz a uma atitude política. Atitude que não passa por uma rendição da sua música aos códigos mais habituais da canção política, mas, antes, a uma construção temática que reflete temáticas do presente, nomeadamente os efeitos da guerra fria sobre uma Europa (então) dividida em dois grandes blocos.
Esteticamente este é um disco que convoca a um espaço de construção pop eletrónica uma série de ferramentas e práticas mais habituais nas músicas de vanguarda, nomeadamente a manipulação de fitas, criação de módulos repetitivos, colagens de sons e uso de gravações de sons de rádio como material musical. Passados por um “filtro” OMD manifestam-se aqui heranças que vão de Karlheinz Stockhausen aos Kraftwerk, passando pelos minimalistas norte-americanos Steve Reich e Philip Glass, juntam gravações de rádio, desafiam a forma das canções e trabalham sobretudo uma visão de sonoplastia. Na altura este cocktail foi de facto de difícil digestão para os muitos milhares que haviam feito de “Architecture & Motality” um êxito de vendas. Mas 40 anos depois é cada vez mais apontado, ao lado desse disco de 1981 como, um dos álbuns de maior referência entre a obra dos OMD.
“Dazzle Ships (40th Anniversary Edition)” dos Orchestral Manouevers In The Dark está disponível em 2LP, CD e nas plataformas digitais numa edição EMI.