65. Gang 90 & Absurdettes “Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes” (1983)

Este é o número 65 da lista “100 Discos Daqueles que Raramente Aparecem nas Listas”…   Com uma história com raízes em Nova Iorque e, depois, em discotecas que marcaram a noite paulista, o álbum de 1983 da Gang 90 & As Absurdettes é um pioneiro da new wave brasileira e traduz, com personalidade local, ressonâncias da revolução punk. Texto: Nuno Galopim

Diretamente associada a uma movida noturna que emergiu em São Paulo na aurora dos anos 80, e sobretudo com história cruzada com a discoteca Paulicéia Desvairada, onde a banda apresentou o seu primeiro concerto (em 1981), espaço onde o timoneiro do grupo, Júlio Barroso, foi também DJ. Jornalista e proprietário de um dos primeiros restaurantes vegetarianos no Brasil, Júlio Barroso tinha vivido uma temporada em Nova Iorque em finais dos anos 70, trabalhando em bares ora como empregado ora como DJ. 

É da assimilação dessas experiências em clima new wave que regressa ao Brasil, surgindo na linha do horizonte a ideia de criar uma banda que, herdeira das vivencias pós-punk nova-iorquinas, emerge de encontros inesperados, desafios lançados e sem agenda maior pela frente. Logo nos primeiros tempos surgem a bordo Mae East, Alice Pink Pank (uma holandesa recentemente chegada ao Brasil e que tinha cantado nos coros do álbum de estreia dos U2) e Lonita Renaux, nascendo o nome Gang 90  (só mais adiante juntando “e as Absurdettes”) num clima de visões criativas que aos poucos começam a surgir em primeiras canções. Apresentam “Perdidos Na Selva” no Festival MPB Shell 1981, canção que lhes dá um primeiro single ainda nesse ano. Geram entusiasmo inicial em São Paulo, mas rapidamente dão que falar. Seguem-se atuações e mais atuações. Com o tempo vão dominando os instrumentos e os palcos, perante mutações na formação pela qual chegam a passar figuras como Lobão, Gigante Brasil, Wander Taffo (que tocou com Secos & Molhados, Rita Lee, entre outros) ou Miguel Barella (dos Voluntários da Pátria). 

“Telefone”, um segundo single, editado em 1983, mostrava como a banda estava a matutar o som, integrando emergentes electrónicas. Aos poucos, em etapas distintas, foram nascendo canções que tanto alargavam o alinhamento dos concertos da banda como iam completando o lote necessário para a edição de um desejado álbum de estreia (cuja gestação foi tão atribulada como a vida de bastidores dos elementos da banda, romanceada no volume dedicado a este disco publicado pela editora Cobogó). A canção “Louco Amor”, que seria depois usada como genérico de uma telenovela (gerando um êxito de grande dimensão) acabaria por dar visibilidade maior à banda numa etapa em que, finalmente com um álbum. nas mãos, tinha ali fixado palavras, sons e ideias que, de certa forma, retratam a sua geração. O sentido de humor, o ecletismo de referências, a diversidade de caminhos que o alinhamento atravessa (fruto em parte de uma história que levou dois anos a ganhar forma) fazem de “Essa Tal de Gang 90 & as Absurdettes” não apenas um marco histórico do pop/rock brasileiro (e um pioneiro da cena new wave local) como, num plano global, é um disco que traduz o modo como os ecos e ressonâncias da revolução ocorrida em Nova Iorque em meados dos anos 70 de facto criou descendências marcantes nos tempos seguintes em outras geografias. A “aldeia global” ainda não era a que a Internet faria coisa de comunicação imediata. As visões lançadas a partir da Nova Iorque de finais de 70 chegaram assim a São Paulo, transformadas depois pela personalidade e vivências da cidade. Esta é a banda sonora dessa história de inspiração, sentido de urgência e transformação. “Românticos A Go Go”, “Eu Sei, Mas Não Sei (I know but i don’t know)” ou o magistral “Jack Kerouac” (que junta voz falada e vocalizações) podem, juntamente com temas levados a single (“Perdidos Na Selva”, “Telefone” ou “Louco Amor”), surgir em qualquer lista que conte o melhor da história pop em língua portuguesa.

Quando o álbum foi editado, em 1983, da formação clássica da Gang 90 já só Júlio Barroso estava a bordo. E Taciana Barros entra em cena para o lugar de Alice, nos concertos de apresentação do álbum. Júlio morreria um ano depois, um acidente terrível, caindo do seu apartamento num 11º andar. Em 1985, com outra formação, uma nova Gang 90 editaria um segundo álbum, “Rosas & Tigres” e, mais tarde, “Pedra 90” (1987), que não conquistariam o mesmo impacte. 

Um pensamento

  1. Assim que vi qual a banda sujeita deste artigo, confesso que pensei logo: irá o Nuno Galopim referir a canção da novela? 🙂
    Novela essa, diga-se de passagem, a que o próprio autor (Gilberto Braga) se referiria, mais tarde, como sendo “uma bobagem de novela”.

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