Editado em 1969, o álbum “Five Leaves Left” é claramente revelador da voz criativa mas também da inquietude que caracterizava um jovem músico britânico que, praticamente invisível em vida, hoje é figura finalmente reconhecida. Texto: Nuno Galopim

Praticamente ignorado em vida, Nick Drake (1948-1974) acabou por nunca ver devidamente reconhecida em vida uma obra que, desconhecida por muitos quando a registou, hoje é indubitavelmente reconhecida como uma das mais belas, pessoais e influentes da história da música popular. Mais que uma mera figura de culto, Nick Drake é hoje um ícone de absoluta referência, um autor único no seu trabalho de composição (e muito pessoal abordagem ao dedilhar da guitarra), um eloquente e literato escritor de canções, dono de uma voz arrepiantemente bela e autor de canções que cada vez mais vão somando novas interpretações por outros artistas e bandas. 

Porém, por incrível que hoje nos possa parecer, Nick Drake foi um músico praticamente ignorado no seu tempo. Os três álbuns que editou em vida, entre 1969 e 1972 mereceram discreta atenção na imprensa musical, sendo poucos os textos que sobre eles foram então publicados na imprensa, mais raras ainda as ocasiões nas quais o jovem músico, nascido a 19 de junho de 1948 (faz hoje 75 anos), falou com jornalistas sobre a sua escrita, as suas composições, o seu canto. 

O medo quase patológico que tinha do palco (vincado pelas poucas atuações que deu em início de vida profissional e nas quais sentiu tremendo desconforto), terá em parte justificado esta discreta existência, sobretudo dada a afinidade do som do jovem músico com uma corrente folk que ganhava fiéis no Reino Unido em finais da década de 60 motivando encontros de multidões, com festa, paz e amor. Nick Drake não era, contudo, um folkie… A sua escrita aceitava algumas heranças da canção de raiz tradicional, mas nela cruzavam-se também traços comuns aos de uma igualmente emergente geração de novos cantautores conscientes das formas e caminhos da cultura pop/rock. Nick Drake reunia o melhor de ambos os mundos, como o apelo medoldista elaborado de um Donovan, mas também o sentido da palavra (que denunciava uma vivência universitária num curso de inglês) que conheceria superlativo no igualmente contemporâneo canadiano Leonard Cohen.

Foi numa das suas raras actuações que um elemento dos Fairport Convention o viu e recomendou ao produtor Joe Boyd (o mesmo que havia acomoanhado as primeiras gravações dos Pink Floyd), que logo o apadrinhou e conseguiu um contrato através da atenta Island Records, de Chris Blackwell. Sob produção do próprio Boyd, com colaborações de Richard Thompson (dos Fairport Convention) e Danny Thompson (dos Pentangle), e os subtis mas determinantes arranjos para cordas e sopros de Robert Kirby (um antigo colega na universidade), Nick Drake gravou em 1969 um disco delicado, de beleza superior, que ainda hoje é absoluta referência no universo dos cantautores. “Five Leaves Left”, título que alude a uma chamada de atenção para o facto de que restariam apenas cinco folhas numa caixinha de mortalhas, apresenta uma música que revela um fortíssimo sentido melódico, uma voz sedutora, quente e tranquila, um sentido de atmosfera encantador e uma poética que traduzia, logo nos primeiros tempos, as temáticas centrais em Drake: melancolia, solidão, amores frustrados e morte. E quase uma inquietante visão cética sobre si mesmo quando, em “Fruit Tree”, quase parecia ter a consciência premonitória de que o seu tempo ou seria curto ou o seu reconhecimento, tardio (a acontecer, só chegaria depois). Essa inquietude encarna nas canções que aqui gravou uma dimensão verdadeiramente trágica que assombra, mas não deixa de encantar. 

Apesar de ignorado na época, o álbum motivou a construção de um segundo disco, “Bryter Later” (1970), mais arrojado nas formas e arranjos. Mas o insucesso de ambos, uma vida ainda (e sempre) aparentemente solitária e a inesperada mudança do produtor Joe Boyd para a América deixaram Nick Drake entregue a uma depressão da qual deu primeiros sinais no álbum “Pink Moon (1972), sobre o qual se conta que o terá gravado sem que quase ninguém desse pelas sessões e entregue, numa bobina final, na receção da editora numa ocasião em que por lá passou sem então ter falado com ninguém. A este trio, hoje reconhecido como clássico, seguiu-se uma retirada para casa dos pais, onde acabaria por morrer dos efeitos de uma overdose (crê-se hoje que acidental) dos medicamentos que lhe estavam prescritos, a 26 de Novembro de 1974 (tinha apenas 26 anos). 

Uma resposta a “Nick Drake “Five Leaves Left” (1969)”

  1. […] um primeiro disco que, quase ignorado naquele momento, hoje é um caso de absoluta referência. “Five Leaves Left”, título que alude à chamada de atenção de que faltariam apenas cinco folhas numa caixinha de […]

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