Editado em 1972, “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars” acabou eleito pelo tempo como não apenas um marco de viragem na carreira de Bowie, um episódio maior na história dos anos 70 e ainda paradigma de referência do glam rock… Juntava ecos de várias tradições, do melodismo pop ao fulgor elétrico do rock, de ecos dos blues ao elegante trabalho de arranjos de cordas, sem esquecer uma lógica teatral, que na verdade é peça central na construção de uma linha narrativa que une as canções que dão voz à criação de uma personagem: o alienígena que visita a terra com uma mensagem de paz e amor mas acaba consumido pelos seus próprios excessos). O conceito, que David Bowie descreveu como um “cruzamento de Nijinski com a Woolworth’s” (uma cadeia de grandes lojas), juntava uma série de ingredientes devidamente assimilados. Andy Warhol, Lou Reed, Iggy Pop, Marc Bolan, T. S. Eliot, o teatro kabuki, o designer Kensai Yamamoto, o quase desconhecido (e bizarro) músico norte-americano Lengendary Starship Cowboy, o realizador Stanley Kubrick (em particular filmes como o então recentemente estreado “A Laranja Mecânica”, “2001: Odisseia no Espaço”) e todo um conjunto de reflexões sobre identidade de género e sexual que teriam tremendo impacte cultural e social… Ziggy Stardust, personagem, nascia de uma amálgama de figuras, histórias, imagens e sons, a primeira das criações de Bowie pensadas para dar corpo a uma música e, consequentemente, representá-la. Apesar de todo este quadro de referências, o álbum na verdade nasceu de um processo de progressiva reunião de peças, ideias e canções, partindo diretamente do ponto onde haviam terminado as sessões de “Hunky Dory” (1971) e, praticamente com a mesma equipa, trabalhando meses afio até à célebre sessão final, já na alvorada de 1972, na qual Bowie respondia a um comentário da editora perante uma (aparente) falta de um potencial êxito, gravando então “Starman”, a canção que, meses depois, sobretudo depois de apresentada no “Top Of The Pops” da BBC, se transformaria num episódio maior na história da cultura popular. E sobre a história do álbum podem ler aqui uma narrativa mais detalhada).
Agora, mais de 50 anos volvidos sobre o lançamento do álbum que colocou definitivamente Bowie no mapa mundo das atenções, eis que chegou a vez de mergulharmos nas entranhas da sua criação. Convenhamos que não é a primeira vez que tal acontece, tanto que “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars” é, de todos os discos de David Bowie, o que mais edições livreiras já motivou. Mas, na linha de lançamentos recentes que nos deram semelhantes insights sobre a criação dos álbuns que Bowie criou na viragem dos anos 60 para os 70, eis que chega uma caixa/livro para continuar, com igual detalhe, a contar essa mesma história.

Semelhante, na forma e modelo de curadoria às recentes caixas “Conversation Piece” (editada em 2019, tendo por foco “Space Oddity”) e “Divine Symmetry – An Alternative Journey Through Hunky Dory” (2022), o novo olhar arqueológico sobre o arquivo de Bowie surge em “Rock ‘n’ Roll Star!”, que junta gravações de 1971 e 72 que documentam a génese e gravação do mítico álbum de 1972. Por um lado há aqui material já conhecido de edições anteriores que escutaram as diversas passagens do músico pelos estúdios da BBC neste período, pelas quais foram sendo lançados sinais do tal processo gradual de criação que separou “Hunky Dory” de “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars”. Mas depois há um mundo de gravações caseiras (como, por exemplo “So Long 60’s”, captada num hotel em São Francisco, numa etapa de busca por uma ideia que ganharia depois forma como “Moonage Daydream”), maquetes, ensaios registados na casa em Haddon Hall, gravações ao vivo (Boston em outubro de 1972) e diversos takes alternativos nas muitas sessões de estúdio de 1971 e 72 das quais nasceu o álbum. O alinhamento desta caixa inclui ainda os temas de Bowie dos dois singles que em 1971 editou através os Arnold Corns, banda que então brevemente integrou e pela qual ensaiou primeiras formas de apresentação de canções como “Hang On To Yourself” ou “Moonage Daydream” mas que, tal como sucedera com todos os seus singles anteriores a “Starman”, com exceção para “Space Oddity”, passaram a leste das atenções. Além dos 5CD e do Blu-Ray (áudio), este lançamento inclui um livro com informação sobre todas as gravações aqui incluídas e junta uma série de textos, entre os quais entrevistas célebres datadas deste período, assim como fotografias destes dias e imagens das bobinas que guardavam estas gravações. Como extra há ainda um livrinho (em formato “sebenta”) com letras e esboços de desenhos de palco. “Rock N’Roll Star” surge poucas semanas depois de “Waiting In The Sky”, edição em vinil lançada por ocasião do Record Store Day na qual era fixada a versão do álbum tal e qual se apresentava em finais de 1971, num alinhamento então ainda inacabado, já que lhe faltava acrescentar a sessão (mítica) na qual nasceria, já em inícios de 1972, o furacão “Starman” que faria a diferença. Próximo episódio: “Aladdin Sane” em semelhante detalhe ou na mais discreta linha de pequeno livro de bolso e 2CD de “Width of a Circle”, que em 2021 olhou para os tempos de “The Man Who Sold The World”… Ou saltaremos já para os dias de “Diamond Dogs”? O certo é que, do arquivo de Bowie, como temos visto, há ainda muitos segredos para revelar.
“Rock’N’Roll Star”, de David Bowie, está disponível numa caixa de 5CD + BluRay + Livro, num lançamento da Warner.





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