Da crise ao renascimento: uma história das lojas de discos no Reino Unido

Johnny Marr é um dos entrevistados em “Last Shop Standing”

Publicado em 2009, o livro de Graham Jones Last Shop Standing juntou a história pessoal de um profissional do mercado discográfico a um retrato (com conhecimento de causa e ponto de vista crítico) sobre a etapa de crise que as lojas de discos viveram na alvorada do século XXI. As experiências relatadas no livro estiveram depois na base não apenas de um segundo volume (The Vinyl Revival and The  Shops That Made It Happen, publicado em 2018) mas também um documentário que, com o título do livro original, faz o contraponto made in UK do olhar que o norte-americano Brendan Toller promoveu em I Need That Record.

O documentário começa por nos colocar perante memórias de músicos. Norman Cook ou Billy Bragg lembram como ali gastavam o seu dinheiro todo. Paul Weller fala nas lojas como espaços comunitários. Johnny Marr recorda “oceanos de velhos discos organizados” e como, ao vê-los, sentiu que era ali que queria passar os fins de semana para o resto da vida. E a estas experiências, afinal não muito diferentes das de tantos outros que frequentam as lojas independentes, o filme junta um panorama da história britânica das lojas de discos independentes. Caminhamos entre várias lojas britânicas, escutamos as narrativas daqueles que ali trabalham. Fica claro que o crescimento do negócio ocorre com o ‘boom’ do rock’n’roll nos anos 50 e as suas consequências em solo britânico logo depois. Um lojista lembra que viu os Beatles, em início de carreira discográfica, no Cavern e correu a avisar a mãe (então dona da loja) que aquilo ia vender que nem pães quentes. Acertou!

punk e o aparecimento de novas editoras independentes nos anos 70 é recordado por Martin Mills (da Beggars Banquet) e Nigel House (da Rough Trade). E a história evolui contando ora as artimanhas de editoras que ofereciam singles às lojas para que os vendessem a preço reduzido e assim pudessem subir nos tops (chamava-se a isso “hype the charts”) e os sinais de problemas no horizonte que chegaram nos anos 80 quando, por um lado, os supermercados começaram a vender discos (com preços mais em conta dado o volume de encomendas) e a vontade em trocar o vinil pelo novo CD fez com que algumas etiquetas diminuíssem a qualidade das prensagens (sobretudo a gramagem do vinil). Há quem destaque algumas características positivas do CD, nomeadamente a portabilidade, mas uma observação é bem clara: “não se pode amar um CD”! O retrato dos problemas que abriram porta à crise nas lojas dos discos junta ainda o aparecimento dos consumos online. E Tony Wadsworth, que foi CEO da EMI Music UK, sublinha o cenário de “ignorância nas editoras discográficas” quando trocaram os profissionais da música pelos dos negócios. Além disso, acrescenta, “não abraçaram o que havia de novo”. Nos anos 80 havia mais de 2200 lojas independentes de discos no Reino Unido. Em 2009, quando Graham Jones publicou o seu primeiro livro, já só havia 269. E tal como em I Need That Record assistimos ao fim da vida de uma loja – a Trash American Style – também em Last Shop Standing presenciamos o encerramento da Hudson, que manteve as portas abertas entre 1906 e 2012. Uma das muitas vítimas desta crise que se abateu sobre as lojas de discos na alvorada do século XXI.

Ao invés do documentário americano, este não recorre a uma realização tecnicamente mais cuidada como opta por um discurso jornalístico em lugar de uma atitude de guerrilha. Mas no fundo estão ambos em sintonia. Last Shop Standing acrescenta, contudo, uma nota positiva na sequência final, uma vez que observa os sinais de recuperação vividos nos últimos tempos. E entre as lojas visitadas explicam-se as estratégias usadas para revalorizar estas lojas que, além do facto de haver um renascimento do vinil como força de mercado (embora em valores de nicho), passam por mudanças de atitude na comunicação – e aqui o Record Store Day é um dado valorizado – na diversificação da oferta, na realização de eventos nos espaços das lojas e no estabelecimento de uma relação mais próxima com as bandas locais.

O vinil, conclui Johnny Marr, “é uma versão espantosa do CD”… A expressão traduz sinais de paixão por um prazer físico que justifica a experiência da loja de discos. Uma paixão que Clint Boon (Inspiral Carpets) traduz numa frase: “quem não comprou um disco em vinil, chegou a casa, o tocou e com ele fez barulho, então só viveu uma ilusão digital”.

“Last Shop Standing – The Rise, Fall and Rebirth of the Independent Record Shop”, de Pip Piper, está disponível em DVD numa edição da Proper Records Limited.

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