A ascensão e queda da Tower Records… É um filme. E retrata a história de uma época.

Assinado por Colin Hanks, o documentário “All Things Must Pass” conta a história da Tower Records, desde a primeira loja em Sacramento até ao fim que chegou já no século XXI. Pelo caminho houve lojas míticas que criaram um modelo e cativaram multidões. Texto: Nuno Galopim

Ainda tenho um saco de plástico amarelo com letras vermelhas e com as dimensões de um LP… Durante anos andei com sacos destes nas mãos ora em Londres, Nova Iorque ou Los Angeles… Até ao dia em que a notícia do fim da Tower Records chegou como um sinal de um fim de uma era. Não do fim do mercado da música. Mas de um modo de a vender. O modelo da grande loja de discos (que juntava livros e, depois, os emergentes formatos de home vídeo), que conheceu igualmente expressões internacionais nas grandes superfícies da HMV ou Virgin, viveu, com a Tower Records, uma história que começou pequena, numa empresa familiar, cresceu, cresceu mais ainda, cresceu talvez demais… e implodiu quando a sua dimensão não pareceu capaz de lidar não só com as características da sua operação, mas também perante grandes mudanças em curso no contexto do mercado global da música gravada que chegaram na viragem do século. É esta história, a da loja, mais do que a do contexto ao seu redor, a que Colin Hanks nos conta em All Things Must Pass, um documentário de 2015 que tem tanto de fascinante como de triste…  Porque, tal como eu, muitos dos que frequentaram as lojas da Tower Records certamente terão saudades da espantosa diversidade de oferta que ali encontrávamos, da revista mensal que publicavam (e ofereciam a quem ali entrasse) e o potencial de descoberta que cada visita acabava por nos proporcionar.

A Tower Records começou por ser uma aventura do filho do dono de uma drugstore em Sacramento, na Califórnia. A loja surgiu em 1960 no mesmo edifício do Tower Theatre (daí o nome) e nem estava sequer localizada numa artéria central da cidade. Mas a dimensão (maior do que as então habituais pequenas lojas de discos), o modo de apresentar os discos – em pleno boom de um entusiasmo pela música de uma emergente cultura pop – e o comportamento e look (informal) dos funcionários cativou atenções e chamou multidões. O sucesso da loja levou Russel Salomon, o proprietário, a abriu duas mais na mesma cidade. Só depois rumaram a São Francisco, uma das capitais da cultura pop em finais dos anos 60, abrindo um espaço que rapidamente ganhou visibilidade dentro de um velho armazém. Los Angeles (uma das mais míticas lojas da Tower) chegou mais adiante no tempo… E ali entre os clientes habituais estava Elton John, para quem a loja abria por vezes às 8 da manhã (uma hora antes do habitual) para que ele pudesse ali andar à vontade entre os discos, levando centenas para casa…

Toda esta etapa da história é contada entre entrevistas a Russel Solomon e seus colaboradores – e todos eles frisam o mood entre funcionários, o gosto pela música e o seu look como uma marca diferenciadora – e imagens de arquivo que nos permitem ver o nascimento e construção dos espaços e, depois, as próprias lojas cheias de discos e gente (Elton John inclusive). Dave Grohl recorda inclusivamente que o facto de poder usar o seu cabelo longo foi um motivo pelo qual procurou (e achou) trabalho na Tower Records.

Este jogo entre conversas expressamente filmadas para o documentário e uma boa gestão de imagens de arquivo leva-nos depois a conhecer a fase de expansão para lá da Califórnia, que começa por ter uma projeção (de grande impacte) no Japão, antes mesmo de chegar a Nova Iorque, onde fez história a loja, de dimensões ainda maiores, que ocupava vários andares na esquina entre a rua 4 e a Broadway, ali los limites entre o East Village e Greewnich Village, a uns passos do CBGB… Uma área que estava longe de ser terreno dominado pelo comércio e ruas limpas como hoje o é…

A maior expansão internacional chega mais adiante (e é aí que a igualmente mítica loja em Picadilly, no centro de Londres, entra em cena). As lojas vão-se adaptando ao surgimento de novos formatos e integram novas tecnologias, tentando manter-se na linha da frente dos entusiasmos… O documentário recupera filmes publicitários dos anos 80 e 90 e ajuda-nos a acompanhar a evolução de linguagens de comunicação e apelo ao consumo.

Mas, e como acabamos por sentir, a coisa tinha crescido demais… E a dada altura estava ali um gigante difícil de gerir… As alterações no meio juntaram-se a factos da história da própria companhia, e em poucos anos o gigante desmoronou. Primeiro com a entrada em cena de novos gestores mais focados em números do que na alma que caracterizara a essência de toda esta aventura. Onde é que já vimos isto?… Pois, muitas vezes… E os cangalheiros engravatados da morte anunciada abriram (como em várias outras narrativas), a ferida que ditou a morte.  

A montagem não apagou aqui a dor (ainda evidente) em vários antigos funcionários da Tower que aqui são entrevistados. Dor evidente no próprio Russel Solomon. Dor que podemos sentir quando vemos imagens de lojas quase vazias, apenas com armários e espaço vazio. Muito espaço vazio onde outrora havia discos.

A marca Tower Records acabou por subsistir online… E no Japão tem até nova vida física. Mas a história de ascensão e queda da rede de grandes lojas acaba por ser o retrato de uma etapa na história da relação de todos nós com a música. Este documentário é por isso a história de um tempo e de comportamentos. E, acrescente-se, é um belo filme.

O filme está disponível em DVD numa edição em Zona 2 pela Universal Pictures UK

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