Embora não se apresente como um disco dos Kraftwerk, na verdade “Tone Float”, editado em junho de 1970, corresponde à primeira edição de música criada por Ralf Hutter e Florian Schneider, a dupla central e alma do grupo alemão. Editado sob o nome Organisation é como um registo da pré-história dos Kraftwerk. Texto: Nuno Galopim

No final dos anos 60 a Alemanha assistia, em vários focos de ação, à emergência de uma mais clara ordenação das ideias musicais que ali tinham emergido ao longo da década. Por um lado traduziam uma expressão da necessidade de reativar impulsos criativos que a história política das últimas acabara por secundarizar rejeitando também quaisquer expressões de identidade com afinidade para com o período em que o regime nazi estivera no poder. O mesmo tempo havia uma vontade em reagir à presença física de contingentes militares das forças que haviam vendido a guerra, que tinham evidente expressão na sugestão de uma cultura jovem sob claras marcas anglo-americanas. Daí a busca de uma música que não procurasse uma raíz comum nos blues e expressões folk anglo-americanas.
A Alemanha descobria então uma série de manifestações de um movimento free jazz, que encontrava espaço em bares ou salas ligadas a pequenos teatros, que se revelavam polos vibrantes onde uma nova cultura jovem local estava a emergir. A ideia da libertação das formas começava a passar por ali.
Mas um outro dado significativo deve ser acrescentado ao desenho deste cenário. É que ao longo das décadas de 50 e 60 tinham ganho peso na cena musical de vanguarda pequenos estúdios de rádio nos quais as visões da imaginação e as contribuições da ciência e da tecnologia tinham permitido a criação de enormes avanços na música eletrónica, levando-a uns valentes passos adiante das ideias (e possibilidades) de pioneiros como Leon Theremin ou Maurice Martenot. O francês Pierre Schaffer, que trabalhava já nos meandros dos universos técnicos da rádio desde os anos 30, formou em 1951 o Groupe de Recherche de Musique Concrète na rádio francesa. Um então jovem Karlheinz Stockhausen passou ali algum tempo em 1953, acabando ele mesmo por levar ideias que transformaram um estúdio da NWDR, em Colónia, num verdadeiro laboratório de ideias que seria fulcral para o desenvolvimento da música eletrónica.
Em Dusseldorf, não muito longe da fronteira holandesa e numa região industrial em franca recuperação, Ralf Hutter e Florian Schneider dão os primeiros passos na sua vida artística sob este cenário. Schneider era filho de um arquiteto, e tendo passado já por primeiras bandas – entre a qual uma que se apresentava como Pissoff – estava em 1968 a estudar numa escola de artes em Remscheid quando conheceu Ralf Hutter.
Florian tocava flauta e, juntamente, com Hutter e Eberhard Kranemann, que vinha dos Pissoff, começou a desbravar caminhos mais exploratórios. Juntamente com Basil Hammoudi, Butch Hauf e Fred Monicks, Ralf e Florian formam os Organization, que gravam o álbum Tone Float, em 1970. Ainda o álbum estava a ser gravado e já o quinteto se apresentava ao vivo com o nome Kraftwerk… Acontece que havia um acordo para editar o disco no Reino Unido, pelo que Tone Float sai como Organization…
Trata-se de um disco claramente experimental, dominado por percursos instrumentais abstratos, usando uma variedade considerável de instrumentos, desde um Hammond (tocado por Ralf Hutter) a congas, flauta, violino elétrico, glockenspiel, maracas, guitarra baixo… Aqui emergem formas que correspondem aos sinais do tempo e do espaço em redor deste grupo de músicos.
Como engenheiro de som durante a gravação do disco contaram como Conny Plank, figura que integraria pouco depois os Cluster e estaria associado ao trabalho de estúdio de muitos discos do krautrock, mantendo uma associação com Hutter e Schneider nos primeiros álbuns dos Kraftwerk, até ao histórico Autobahn, de 1974.
Tone Float nunca teve nenhuma reedição oficial mas desde há muitos anos circulam bootlegs pelos cinco cantos do mundo. Alguns destes bootlegs juntam na capa o nome Kraftwerk.
Um pensamento