Editado em 1982 o álbum “Big Science” nasceu de uma fixação em estúdio de uma série de fragmentos do espetáculo multimedia “Big Science”. Mas na génese da ideia de editar um álbum está um caso de sucesso (inesperado) de um single que era originalmente destinado a uma edição limitada… para venda postal. Texto: Nuno Galopim
Nos anos 70, Laurie Anderson viajou pelo mundo. Trabalhou numa plantação de Kentucky, viveu em Chiapas, foi ao Pólo Norte, morou numa comuna… Teve, como descreve no texto incluso numa reedição de Big Science, a sua “visão romântica da estrada”. Essas viagens serviam o plano de auscultação de um país, com vista à construção de uma obra-retrato, que emergiu na forma de um espetáculo multimédia com quase oito horas de duração, sob o título United States I-IV. Big Science, o disco, nasceu da gravação em estúdio de parte das canções de United States I-IV, correspondendo, também, de certa forma, a um retrato dessa visão pessoal sobre a sua “pátria”… Aqui se fala de tecnologia, da industrialização, da mudança de atitudes em relação à autoridade, a individualidade, num retrato que comparava o país à queda de um avião, morando o apocalíptico e o absurdo ali ao lado. O disco é como um conjunto de histórias de personagens bizarras, e reflete uma vontade de pensar sobre um espaço como que se visto do exterior.
Laurie Anderson era, nos inícios de 80, uma figura muito presente nos circuitos ligados às vanguardas e experimentação na cidade de Nova Iorque, e o evidente tom artesanal de muitas destas construções reflete um tempo e lugar economicamente menos nutrido que o presente. Eletrónicas e pontuais outros instrumentos e, inevitavelmente, o violino, servem a arquitetura de canções pensadas como entidades de som e imagem, a sua expressão “total” possível apenas em palco ou no vídeo. Esta identidade muitimedia resulta das demandas à época de Laurie Anderson, e acabou por definir um rumo de trabalho com projeção em obras seguintes.
O álbum nasceu como consequência de um inesperado sucesso de um single. Em 1981 Laurie Anderson gravou O Superman, canção inspirada por uma missão de resgate de reféns em Teerão, e pela ária O Souveraign, da ópera Le Cid, de Massenet. O single, limitado a uma edição de 1000 cópias (para venda postal), algumas das quais tendo sido enviadas para Inglaterra. Uma acabou nas mãos de John Peel, que começou a rodar o single com insistência, gerando uma reação inesperada. Chegaram pedidos para 40 cópias. Mais 40 mil… E Laurie Anderson acabou por pedir ajuda “industrial” à Warner. A editora, por sua vez, ofereceu-lhe um acordo editorial para oito álbuns. Apesar de inundada pela dúvida, Laurie Anderson assinou. E menos de um ano depois surgiu Big Science.
Big Science é um disco que me acompanha há muitos anos… Lembro o encantamento com que, numa das minhas passagens pelo MoMA (NYC), notei que o teledisco de “Oh Superman” ali tem um lugar como peça de museu…
Gira-Discos 