Claramente influenciados pela pop eletrónica de inícios dos anos 80 (dos Eurythmics aos Depeche Mode), os Cold Beat assinalam com o novo “Mother” o seu momento de estreia no catálogo da DFA Records. Texto: Nuno Galopim

Surgiram em São Francisco há cerca de seis anos, assinalando um novo passo na carreira de Hannah Lew (ex Grass Widow). Um evidente interesse pelas memórias da pop nascida em clima pós-punk começou por se manifestar em canções angulosas, de linhas vivas e com as guitarras evidentes. O tempo foi suavizando as arestas (o que estava já bem claro no álbum Chaos By Invitation de 2017), mas o caminho para o álbum que agora editam nasce da assimilação mais profunda de uma das suas referências primordiais: os Eurythmics. Editado em 2018 pela Dark Entries o EP A Simple Reflection apresenta uma coleção de sete versões de canções da primeira etapa de vida do grupo, recolhendo matéria prima entre os álbuns In The Garden (1981) e Sweet Dreams (1983), juntando ainda três canções originalmente apresentadas em lados B de singles dessa fase. Mother, que representa agora a estreia dos Cold Beat na DFA Records, é um fruto natural da digestão da pop arquitetonicamente bem arrumada que Dave Stewart e Annie Lennox criaram na aurora dos oitentas. Junta ecos de sons contemporânos (poderemos citar uns Depeche Mode de então) e criam um lote de canções que não escondem de todo o seu encantamento por formas retro. O presente, aqui, é vincado de outra maneira.
Mother, como o título não engana, sugere um momento importante na vida de Hannah Lew. E perante o mundo que temos ao nosso redor (que não será neste momento a coisa mais promissora e deslumbrante para apresentar a quem a ele vai chegar), Hannah idealizou uma série de retratos e olhares (nem por isso cientificamente descritivos e muito menos panfletários) que aqui são encarados como se fossem transmissões lançadas do nosso planeta para quem dele se esteja a aproximar. O lado A é mais sombrio e começa até por falar de um fim que surgiu disfarçado de amigo. Depois de voltado o vinil outra luz e cores entram em cena, surgindo alguma esperança (e até leves ecos de alguma dream pop)… As canções são cativantes, melodicamente enriquecidas por nutrientes da melhor tradição pop que habitou o mundo pós-punk. E do confronto entre essas memórias dos sons e o mundo presente que serve o plano narrativo nasce o jogo de tensões (agradável) que surge na forma de um álbum pop que, sem querer dar respostas, deixa os temas e as imagens em nós. Sem contudo nos impedir de ouvir e dançar. Não como o quarteto de cordas que tocava enquanto o Titanic afundava. Mas a tempo de nos deixar a pensar sobre que mundo é este que queremos ter.
“Mother”, dos Cold Beat, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da DFA Records.