O que diz Molero?

Músico venezuelano a residir há algum tempo em Barcelona, Molero parte do modo como muitos relatos sobre a Amazónia tiveram mais de ficção do que de realidade para sugerir, com música eletrónica, uma série de visões sobre esses mesmos cenários. Texto: Nuno Galopim

As descrições dos locais onde vivemos, apresentadas por quem vindo de fora os visita, são invariavelmente diferentes daquelas que nós mesmos poderíamos fazer dos espaços e das pessoas que fazem o universo ao nosso redor. Natural da Venezuela, a viver há algum tempo em Barcelona, Molero há muito que vivia fascinado pelo modo como os espaços do grande interior do continante sul-americano (em particular a Amazónia) eram descritos, desde a literatura de viagens do século XIX às próprias visões da história e do lugar que o cinema fixou, por exemplo, no Fitzcarraldo de Werner Herzog. Tal como quem conta um conto acrescenta um ponto, as marcas da personalidade de cada um e os confrontos entre as suas vivências habitauis e os lugares visitados acabam por definir o modo como as descrições e impressões depois de materializam e, eventualente, acabam comunicadas a outros. A própria noção de exotismo não é mais senão uma expressão destes confrontos, quando algo “completamente diferente” (como diriam os Monty Python) surge pela frente de alguém que chega de outro lugar.

         É desta ideia de olhares que visitam lugares, assim nascendo descrições que têm muito de quem as faz (inclusivamente com camadas de ficção), que nasce o modo como, à distância de um oceano, Molero decidiu “regressar” a paisagens sul-americanas. Socorreu-se para isso das suas ferramentas habituais: as eletrónicas, restsitindo por isso a uma procura de ecos realistas através dos timbres de instrumentos locais. Aquelas paisagens, no seu disco, seriam como a escrita dos viajantes do século XIX… E assim nasceu Ficciones del Tropico, um disco que escuta ecos e retratos com a distância do espaço e dos instrumentos. Que explora uma noção de retrato paisagista que procura mais intrerpretações autorais do universo que é objeto de reflexão do que uma recriação exótica (como foi de resto um terreno muito visitado pela música dos anos 50 através de figuras como Martin Denny ou Les Baxter).

         Eletrónica ambiental, com vontade em tecer cenografias antes mesmo de libertar ocasionais linhas de melodia, a música que escutamos em Ficciones del Tropico é um exercício de (re)criação de um lugar que demonstra o enorme poder sugestivo da música. Um pouco como o fez há uns anos o mexicano Murcof em Versailles Sessions (aí juntando coordenadas de tempo às de espaço), a música sugere uma gradual imersão nossa nos espaços que desenha. Esta que visitamos (ou sentimos) é uma Amazónia plácida, luminosa, verdejante, vibrante de vida… Há aqui vitaminas de algum onirismo que serve de bálsamo para um tempo como aquele em que vivemos…

“Ficciones del Tropico”, de Molero, está disponível numa tiragem limitada em LP e nas plataformas digitais numa edição da Holuzam.

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