Mistérios e maravilhas continuam a cruzar as canções de Sevdaliza

Nascida no Irão, vivendo na Holanda, Sevdaliza apresenta em “Shabrang” um segundo álbum no qual volta a cruzar marcas de identidade (pessoal e cultural) com uma linguagem pop atual, todavia mais focada na criação de emoções e ambientes do que correndo atrás das modas. Texto: Nuno Galopim

Apesar de ter já uma série de EP editados desde 2012 e de ter apresentado em 2017 um dos mais surpreendentes álbuns de estreia do ano (ISON, lançado pela Twisted Elegance e com edição em vinil duplo pela Music on Vinyl), Sevdaliza pode ser ainda para muitos um segredo a desvendar. E porquê? Porque na sua encruzilhada de ideias e sensações correm afinidades com algumas das mais cativantes e desafiantes figuras da criação musical do nosso tempo. Nomes como os de Portushead ou Björk foram já usados em comparações, umas mais certeiras do que outras, mas todas elas lançada com vontade de despertar a curiosidade. Porém Sedvaliza não nasce de uma mera soma de referências, mas antes da assimilação destas pistas colhidas na cultura pop contemporânea ocidental, passando-as pelo filtro de uma identidade que não esconde a sua ascendência cultural e familiar iraniana (apesar de ser holandesa) e por uma voz com personalidade interpretativa que se demarca, apesar de afinidades eventuais com terrenos R&B, das linhas mais em voga no canto do presente.

ISON, como ponto para o qual confluíram as experiências e ideias dos primeiros EP, foi um monumento que talvez pecasse apenas por ser longo na extensão do volume de música gravada. Mas desde logo deixava clara a afirmação de um conjunto de ideias que colocavam Sevdaliza na linha da frente de uma nova geração de estetas da canção, procurando novas formas no cruzamento de linguagens e ferramentas. Um ano depois The Calling (um EP com sete faixas e 30 minutos de música, ou seja, quase um LP) partia das mesmas coordenadas para alcançar um patamar ainda mais trabalhado das mesmas ideias, sugerindo uma síntese da visão plástica que ISON fixou (e aqui convém juntar à música toda uma dimensão visual definida entre a fotografia e o vídeo).

Agora, três anos depois de ISON, Shabrang, junta um novo capítulo à construção de uma ideia feita de sons e de imagens. A ideia de “exotismo” que o álbum de estreia expunha de forma mais visível no mapa da identidade da cantora é plasticamente mais discreto. Mas nem por isso Sevdaliza despe as suas marcas de identidade pessoais e culturais. O título do álbum, por exemplo, recupera o nome do cavalo de Siyâvash, um herói da mitologia persa (que lutou pela justiça e pela verdade), abrindo espaço a narrativas habitadas por personagens com aquela dimensão maior das alegorias e das histórias mágicas. A música não se afasta muito do perfil denso e cinematográfico de ISON ou The Calling (recuperando até Human Nature, um dos temas do EP de 2018), juntando eletrónicas (com ascendência trip hop na cadência rítmica) a um trabalho instrumentalmente dominado pelo piano ou por teclas que desenham ambientes ora sombrios ora intrigantes (como de resto o é a foto “magoada” que dá rosto à capa que, supostamente, traduz anos de turbulência física e emocional). Música e voz tecem um teatro de emoções vincadas, com palavras em inglês, farsi ou árabe, que nos falam de mundos de luz e escuridão ou de demandas pessoais que, mais do que lançar reflexões concretas (será Oh My God uma alegoria de males do mundo atual?) sugerem caminhos de possível identificação emocional que não toldam leituras possíveis sobre uma dimensão identitária que parece cruzar estas criações. Há de facto por aqui há camadas suficientes de acontecimentos para justificar vários mergulhos num universo belo e intrigante.

“Shabrang”, de Sevdaliza, está disponível em CD e está disponível nas plataformas digitais numa edição da Butler. Há uma edição em 2LP pela Music On Vinyl.

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