Mais conhecido pelo seu trabalho como maestro, Fabrice Bollon apresenta num disco lançado pela Naxos alguns cartões de visita para que possamos descobrir uma música interessada em aliar novos timbres (e instrumentos) às cores de uma orquestra. Texto: Nuno Galopim

A enormidade da criação e a vastidão dos caminhos pelos quais a música do nosso tempo vai sendo comunicada torna difícil a capacidade em acompanhar o que vai acontecendo. Nada como dar regularmente uma espreitadela aos vários cantos da lojas além daqueles a que mais frequentemente destinamos o primeiro foco das nossas atenções. E foi há dias, a caminhar entre as novas edições na área da música contemporânea, me deparei com um disco que me chamou a atenção. Tudo começou pela capa. E aqui vale a pena notar como a comunicação visual é de facto determinante na criação de focos de interesse. Não deixa contudo de ser interessante que a capa é de um disco do catálogo da Naxos, editora de catálogo magnífico mas muitas vezes com grafismo old school, isto para não dizer mesmo “quadradão”. Há fugas à regra em alguns lançamentos, é claro. E se nos discos da Naxos me habituei a ler e consultar a informação antes de passar para o seguinte, com este lançamento senti uma atração naquele plano com que a ECM tão bem sabe gerar uma empatia entre a música e a imagem. Li o pequeno texto descritivo na contracapa e a deia de “novos timbres” usados pela música de Fabrice Bollon rapidamente transformou o interesse suscitado pela capa numa vontade ainda maior de escutar. E ao fim de uns minutos as melhores “suspeitas” confirmava-se. Estava aqui uma pérola (do nosso tempo) a descobrir.
Comecemos pelo autor. Nascido em França em 1965, Fabrice Bollon é sobretudo conhecido pelo seu trabalho como maestro. Porém, e tal como Mahler ou Bernstein (sem aqui o querer colocar no mesmo patamar, é certo), Bollon desenvolve igualmente um trabalho na composição. Os discos que já editou vincam sobretudo o seu labor como chefe de orquestra, quer em óperas de Riccardo Zandonai, Erich Korngold ou Karl Goldmark, música orquestral de Alberic Magnard, Camille Saint Saëns ou Paul Dukas, incluindo a sua discografia gravações de música de Emmanuel Nunes, em interpretações pelo coro e orquestra Gulbenkian.
Lançado pela Naxos (pela qual editou já, por exemplo, obras de Mangard), este disco junta primeiras gravações mundiais de três obras suas originalmente estreadas entre 2008 e 2018. O alinhamento destaca naturalmente Your Voice Out of the Lamb, uma peça de cerca de 20 minutos na qual a tal exploração de “novos timbres” que me chamara a atenção se manifesta de forma bem evidente. Obra para orquestra, destacando contudo a presença de flautas contrabaixo e sub-contrabaixo, teclados eletrónicos e violoncelo, Your Voice Out of the Lamb coloca-nos perante um momento de aventura e descoberta, sugerindo a orquestra o universo que nos acolhe, desenhando então os instrumentos solistas (e os efeitos digirais sobre eles lançados) as figuras que vão iluminando, gradualmente, e numa toada suave, todo um espaço que aos poucos se vai revelando e… deslumbrando. Está aqui uma das mais cativantes peças de música orquestral que ouvi nos últimos anos.
O alinhamento inclui depois o mais tenso Four Lessons of Darkness, um concerto para violoncelo elétrico e orquestra e ainda Dogmatic Pleasures, um conjunto de três peças curtas mais efusivas (e festivas) que contrariam o clima de ansiedade de Four Lessons of Darkness.
Uma viagem de descoberta em pouco mais de uma hora de música, claramente capaz de encantar mais quem siga os terrenos de um Thomas Adès do que os de um Max Richter. Mas tal como nas outras latitudes, também nos universos da música orquestral há divertidade de oferta e de públicos nesta primeira etapa do século XXI.
“Your Voice Out of the Lamb” + “Four Lessons of Darkness” + “Dogmatic Pleasures”, de Fabrice Bollon, em gravações respeticamente pela Odense Symphony Orchestra (dir. Christoph Poppen), Deutsches Radio Philharmonie Saarbrücken Kaiserslautern (dir. Nicholas Milton) e Philharmonisches Orchester Freiburg (dir. Jader Bignamini), está disponível em CD e nas plataformas digitais numa edição da Naxos.