O gosto pelo desafio continua a habitar a música (e as imagens) de Noiserv

O novo disco que David Santos edita através do seu projeto individual Noiserv é integralmente cantado em Português e, apesar de lançado por esta altura, não nasceu nos dias do confinamento. Esses foram vazios, como nos conta. Texto: Nuno Galopim

Foto: Vera Marmelo

Apesar de vivermos um ano diferente de todos os que antes conhecemos a música não deixou de ser criar, gravar e até mesmo tocar ao vivo (apesar de com outras regras, mas não é disso que vamos falar agora). Vale a pena aproveitar este momento para mostrar que mesmo perante um cenário que é tudo menos convidativo o espaço para a expressão da criatividade e até mesmo o abrir de portas à surpresa não desaparece. E um dos melhores exemplos de surpresa dos últimos tempos no mapa nacional das edições em disco cabe ao projeto Noiserv, de David Santos, num novo disco que tem por título “Uma Palavra Começada por N”. É. A ideia da “one man band” mantém-se firme (tanto no disco como em palco), mas o espaço da música e a sua materialização física como objeto uma vez mais diz “não” à repetição. Se a afinidade com o mood e até mesmo heranças de um caminho estético se mantém, já na forma de usar a língua portuguesa na hora de cantar abre aqui novas possibilidades (que, convenhamos, David Santos sabe uma vez mais levar a bom porto). Para não escapar ao que parece ser já uma “regra”, também a capa do disco uma vez mais merece reflexão e sugere mais um episódio coerente ao serviço desta música. Mas escutemos antes o que ele mesmo tem para nos dizer deste seu novo disco…

É a primeira vez que editas um disco integralmente cantado em português? O que está por trás da decisão? Ecos de um ano vivido no país? Maior confiança na escrita?

Na verdade, a decisão surge por ser algo que ainda não tinha feito. Tenho sentido a necessidade de me desafiar a cada disco sempre com uma novidade. No anterior foi o piano, desta vez foi o português, o próximo será outro desafio. A confiança na escrita surgiu quando me debrucei nela, mas aí já tinha decidido seguir por aí.

Apesar do tom melancólico que continua a passar pela tua música, parece haver em algumas das canções mais sinais de luz e sorrisos. São apenas antídotos para tempos difíceis que todos estamos a passar? Ou há mais que se diga a essa outra esperança que parece sair das canções?

Não te sei responder em concreto a esta pergunta, os discos são apenas um reflexo daquilo que me foi fazendo sentido durante o período de composição. Quando começo um disco nunca sei muito bem qual será o resultado final, nem tenho coisas definidas, além do “cantado em Português”, neste caso.

A ideia de Noiserv ser uma “one man band” mantém-se central a este projeto?

Sim. Não sei como será o futuro, mas neste momento é isso que me faz sentido.

A vida no palco tem-te ajudado a encontrar soluções para procurar caminhos novos para a música a cada disco?

São dois momentos distintos para mim, o palco e o estúdio. Embora relacionados, acabam por não se influenciar um ao outro. O único momento em que se encontram, será possivelmente nos pequenos pedaços de música que às vezes surgem num ensaio de som.

A solidão que vemos no palco acentua-se certamente em estúdio. Como usaste o tempo de confinamento este ano?

Na verdade, sinto que não o usei. Foi um período estranho, vazio e pouco criativo. O que me inspira são as pessoas e em confinamento elas tornaram-se menos presentes.

Criaste uma linguagem visual em palco, agora dentro de um cubo… Aquela arrumação tem um lado prático, claro. Mas ajuda a contornar a “solidão” em cena?

Acho que acaba por definir um espaço, um lugar onde tudo acontece. Um cubo fechado mas sem faces, estou limitado mas não preso. E acho engraçada a ideia de que tudo acontecer “ali” dentro.

Antes deste novo disco surgiu uma reunião de peças criadas para outros fins, da publicidade a outros trabalhos com imagens. O que quiseste juntar em “Soundtracks Vol.1”

Quis fazer um apanhado de muitas coisas que vou fazendo e que as pessoas por vezes desconhecem. Por outro lado, gosto muito da ideia de coleção daí o nome Vol. 1, neste momento já tenho 3 volumes preparados mas a seu tempo irei torná-los públicos!

Habituaste-nos a descobrir tua música com suportes de imagem sempre desafiantes. O caderno e o lápis… O puzzle… O cubo… Sentes-te obrigado a corresponder, também nessa frente, a uma expectativa?

Há sempre uma expectativa, quando de alguma forma conseguiste fazer algo que as pessoas gostaram. Mas na verdade, a maior expectativa é a minha, que tenho medo de um dia deixar de ter ideias que sirvam a música que fiz. E acredito mesmo que o “suporte” fisico da música é muito importante para que concetualmente tudo se ligue.

Os formatos para a edição de música são também uma questão sobre a qual pensas. Já editaste em CD, em vinil, até em pen…

Sim, como dizia na resposta anterior, o suporte fisico da música é uma parte importante de cada lançamento, acredito que um disco, um conjunto de músicas, merece isso e não apenas um cantinho digital algures.

O disco está à venda em suportes físicos no teu site, via Bandcamp. Esta possibilidade de ter nas mãos as várias etapas dos processos, do criativo à comunicação e distribuição, dá-te mais liberdade, mais obrigações?

Não diria liberdade, mas acho que tudo é importante. E nos dias que correm as coisas têm de estar acessíveis em muitas plataformas. Nas “lojas” normais e nas plataformas digitais, onde tenho a distribuição da Sony, mas também uma loja online gerida por mim em que acredito que as pessoas sentem essa proximidade, e na verdade eu gosto disso.

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