39. Amália Rodrigues “Cantigas d’Amigos” (1971)

Este é o número 38 da lista “100 Discos Daqueles que Raramente Aparecem nas Listas”… Foi editado em 1971 e juntou Amália Rodrigues a Natália Correia e Ary dos Santos em torno de uma coleção de poemas medievais. Texto: Nuno Galopim

O interesse de Amália em explorar memórias de outros tempos da cultura portuguesa começou por se manifestar em 1965 num EP dedicado à poesia de Camões que levantou celeuma à qual ela mesma respondeu de forma clara e elegante. Porque não haveria de cantar Camões? O alargamento de horizontes poéticos para o fado teve de facto em Amália uma voz com ousadia suficiente para não deixar nunca de procurar outras possibilidades. E depois de Camões a viajem no tempo levou-a ainda mais atrás num novo disco de 45 rotações (desta vez um single) no qual, uma vez mais com música de Alain Oulman, e acompanhada pelo conjunto de guitarras de Raul Nery, cantou Nós as Meninas de Pero de Vivãez e Partindo-se de João Roiz de Castel-Branco. Chamou ao disco Amália Canta Poesia Medieval Portuguesa e, na verdade, é contemporâneo de uma aventura algo semelhante que José Mário Branco (então exilado em França) registava no seu EP de estreia Seis Cantigas de Amigo, baseado nas recolhas de um cancioneiro galaico-português recentemente trabalhado por Natália Correia. Mas esta aventura não teria aqui um último episódio. E poucos anos depois um álbum levaria ainda mais longe esta viagem ao encontro de poesia de outros tempos, representando esse disco um dos lançamentos mais ousados e invulgares de toda a discografia de Amália Rodrigues.

         Na raiz do álbum Cantigas d’Amigos, de 1971, estará um outro disco não menos invulgar. Trata-se de Amália/Vinicius, uma expressão em disco dos ambientes de partilha de ideias (de palavras e de músicas) que habitavam os serões em casa de Amália, vividos entre amigos (e nessa ocasião contando com a visita de Vinicius de Moraes). Natália Correia, presente nesse “serão” gravado no número 193 da Rua de São Bento e levado a disco num LP duplo editado em 1970, é uma das protagonistas do álbum dedicado à poesia medieval portuguesa, no qual surge igualmente em destaque outro amigo presente também naquela noite partilhada com o grande poeta brasileiro: Ary dos Santos. Na verdade, na capa de Cantidas d’Amigos, o nome de Amália surge com o mesmo destaque destes seus dois amigos. Como se fossem um trio.

         A poesia que aqui recuperam provém de autores como Bernardo de Bonaval, Fernando Esguio, João Garcia de Guilharde, João Airas de Santiago, Paulo Gomes Charinho, Mendinho, Pero Meogo, Nuno Fernandes Torneol e os reis D. Diniz e Afonso X de Castela e de Leão (conhecido como “O Sábio”). Exceto a Ermida de São Simeão, de Alain Oulman (que vinha já de Fado Português), a música desta vez é assinada por Fontes Rocha, que acompanha aqui as vozes juntamente com Carlos Gonçalves, Pedro Leal e Joel Pina (uma vez mais com exceção na canção de Oulman, aí cabendo o acompanhamento a Domingos Camarinha, Martinho d’Assunção, juntamente com Fontes Rocha).

         Na contracapa um texto (muito bem humorado) de Ary dos Santos conta a génese da ideia, revelando que tudo partiu de um livro de poemas “muito bonito, que cheirava muito bem” feito por Natália Correia “que o desenterrara de alfarrábios muito, muito velhos”. Uma noite, em casa de Amália “os poemas saíram das páginas e ganharam voz”. Pareciam, como Ary descreveu, “ervas dançando no meio da sala”. Amália deu o nome ao disco… E as sessões de gravação decorreram, como sempre, em noites cheias de sabores. “Às vezes, pela meia-noite, os poemas tinham fome e comiam sopa de coentros e arroz de bacalhau”. E no fim Maluda que, “com um pincel e uma tesoura” criou a imagem que vemos na capa. E assim, concluiu assim Ary dos Santos: “pôs-nos a todos na Idade Média”.

“Cantigas d’Amigos” teve edição original em 1971 pela Columbia/Valentim de Carvalho, em 1971. O disco teve reedição em CD em 2011 pela iPlay/Valentim de Carvalho.

Da discografia de Amlália vale a pena descobrir discos como:
“Amália Canta Poesia Medieval Portuguesa” (single, 1968)
“Amália / Vinicius” (1970)
“Encotro” (1974) com Don Byas

Se gostou, experimente ouvir:
La Batalla
Martin Codax
The Dufay Collective

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