Panda Bear + Sonic Boom “Reset”

Juntando um norte-americano e um britânico que escolheram viver em Portugal, “Reset” assinala a primeira colaboração assinada a dois entre Panda Bear e Sonic Boom. E é uma bela coleção de canções que guardam em si ecos de outros tempos e lugares. Texto: Nuno Galopim

Quando, num tempo futuro, se olhar para música que emergiu na década de 20 do século XXI é cada vez mais certo que se encontre, para além das (eventuais) fronteiras dos géneros musicais ou das geografias, um espaço comum que se deve a um contexto global que abraçou o mundo. Os “discos da pandemia” continuam a surgir e eis que mais um se junta a um lote já significativo no qual temos desde o registo ao vivo e a solo de Nick Cave perante um Alexandra Palace sem espectadores ao single que os Rolling Stones fizeram acompanhar (no teledisco) com cenas de ruas vazias em Living in a Ghost Town. Mas se essas trovas e retratos de solidão traduziram ecos de uma etapa inicial da pandemia, ou seja, o tempo dos confinamentos, outras experiências traduziram depois projetos que nasceram durante meses a fio entre músicos com agendas de estrada substancialmente reduzidas, abrindo espaço ora a projetos mais pessoais ora a colaborações possíveis. E foi talvez neste quadro, entre evidentes afinidades, possíveis rotas partilhadas de descoberta e uma certa geografia de proximidade (já que ambos vivem em Portugal) que se abriu espaço para uma colaboração de grande fôlego entre o norte-americano Panda Bear (dos Animal Collective) e o britânico Sonic Boom (que em tempos foi um dos pólos criativos dos míticos Spacemen 3). 

Lisboeta há já quase 20 anos, Noah Lennox (ou seja, Panda Bear) já por várias vezes tinha convocado Peter Kember (Sonic Boom) para momentos de colaboração que ora encontramos em Tomboy ou Panda Bear Meets the Grim Reaper (neste último tendo os dois partilhado a produção). Desta vez o desafio partiu de Peter Kember e de um batalhão de memórias sambladas de discos dos anos 50 e 60. E das espiras de canções de Eddie Cochrane ou dos Everly Brothers surgiu a matéria prima que Peter Kember começou por trabalhar, moldar, modificar, criando loops, juntando as peças que depois partilhou com Panda Bear ativando a mais extensa e profunda colaboração entre ambos até à data.

O título do álbum Reset sugere, apesar da história de um projeto cujas origens decorreram do contexto de pandemia que atravessou a vida dos dois músicos (e de todos nós), uma ideia de recomeço, de procura de novos pontos de partida. O que não implica de todo sinais de rutura, revelando o álbum sinais de continuidade numa lógica de criação e num corpo de formas que não são de todo estranhas ao possível legado de um disco tão marcante e visionário como o foi o belíssimo Person Pitch, o primeiro álbum de Panda Bear a traduzir ecos das suas vivências em Lisboa. Os elementos samplados são aqui mais do que meros tijolos numa construção. São forma e cor, mas também tempo. E é da carga de memórias que estes sons sugerem que se define uma música que, cruzada com elementos eletrónicos, é coisa deste momento, mas que na verdade transcende as regras físicas dão tempo, contribuindo as novas palavras para atribuir, também, essa ideia de “recomeço”, de novo contexto, se um olhar para trás numa altura em que voltamos a querer encarar possíveis futuros. Delicioso, o corpo de canções de Reset inscreve agora um dos episódios mais luminosos entre os muitos projetos de música que têm raízes nos dias da pandemia. E atenção que esta parceria, a manter-se, pode gerar mais momentos deste calibre… Fico à espera.

“Reset” de Panda Bear e Sonic Boom está disponível nas plataformas digirais numa edição da Domino. Uma edição em suporte físico está agendada para novembro.

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