Quem agora passar pelo primeiro quarteirão da Rua do Ouro, ali bem perto do Rossio (e quase com o Elevador de Santa Justa pela frente) notará a ausência de uma banda sonora que, anos a fio, ali se tornara familiar. Ouvia-se fado… E bastava concentrar os olhos na montra e no letreiro para ter uma resposta: estava ali a Discoteca Amália. Estava… Porque, neste início do ano, a velha casa de discos, que sobrevivera ao recente encerramento da Discoteca Festival (na Rua Augusta) e se tornara na última das discotecas históricas da Baixa lisboeta, foi forçada a fechar as portas.
A história do encerramento – que se deve a um aumento do preço do arrendamento do espaço – está muito bem contada numa reportagem que o Ricardo Farinha (o autor do livro “Hip Hop Tuga”) publicou esta semana na “Mensagem de Lisboa”, acompanhando o texto com fotos de Inês Leote que documentam a derradeira azáfama de uma velha loja a empacotar os discos que ficaram por vender, esvaziando as estantes e escaparates outrora cheios de CD, cassetes e vinil (estes havia-os nas escadas e cave), deixando aquele lugar mergulhado num silêncio que em breve se vai esquecer entre o vaivém dos muitos que visitam a cidade. A Discoteca Amália era a última inquilina de um edifício atualmente ocupado por um hotel.
A discoteca podia não estar integrada no circuito cool das lojas de discos usados que dão novas vidas ao vinil. Mas, sobretudo focada no fado (apesar de ter oferta aberta a outros rumos), estava até geograficamente bem posicionada entre as rotas do turismo, tendo de resto uma ligação com a carrinha verde que encontramos ali bem perto, na Rua do Carmo, que garante banda sonora fadista a quem ali passa. O volume de negócios, como refere a reportagem na “Mensagem de Lisboa”, não permitia responder aos valores de arrendamento em crescimento. E o fim aconteceu, sem a perspetiva de um espaço físico pela frente para o lote de discos que ficou por vender. Uma eventual loja online poderá acontecer. Mas ainda não há certezas neste departamento.
A loja estava ainda nas mãos de familiares do seu fundador, Manuel Simões, que ali abrira o espaço há já mais de 30 anos e que, antes, tinha sido o fundador da editora Discos Estoril (que teve no catálogo nomes como os de Tony de Matos, Tristão da Silva, Anita Guerreiro, Berta Cardoso, Artur Ribeiro, o Conjunto de Jorge Machado, Belo Marques ou Alfredo Marceneiro). No mundo das lojas de discos a história do fundador da Discoteca Amália está ainda ligada à célebre Discoteca do Carmo, que abrira as portas em 1957 e depois se tornara célebre pelo catálogo de discos importados, chamariz de atenções que ali chamou muitos melómanos durante décadas. A Discoteca do Carmo, que sobrevivera por um triz ao incêndio no Chiado em 1988, foi obrigada a fechar as portas nos anos 90 por alturas das obras do metro que então obrigaram a evacuar, por uns tempos, quem habitava aquele edifício. Ligada à Discoteca Amália estava também a velha carrinha verde que habitualmente encontramos na Rua do Carmo, e da qual sai música. Fado, claro…

Depois do fim da Discoteca Festival, do mais recente encerramento da loja da Companhia Nacional da Música (no lugar da antiga Sassetti) e, agora, o encerramento da Discoteca Amália, há um capítulo que se fecha: o das lojas históricas de discos na Baixa. Há ainda discos por ali. Da Louie Louie à Tubitek, mais perto deste epicentro, com a Vinyl Experience ali não muito longe, na Rua do Loreto, ou o “hub” (já com quatro lojas) que continua a crescer no Espaço Chiado, na Rua da Misericórdia, os discos não desapareceram da Baixa. Mas estas são já lojas de outra geração, todas elas nascidas de um outro tipo de relacionamento com os discos e criando agora as suas histórias que respiram o presente. Na Baixa o que assim desapareceu foi a memória. Ao que parece fica a carrinha verde na Rua do Carmo…
O Gira Discos passou há uns anos pela Discoteca Amália. Podem ler aqui o retrato desta loja que agora fechou as portas.





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