O álbum “The Metrobolist” recupera o título original e elementos gráficos do disco que Bowie editou em 1970 e que agora se apresenta numa nova mistura de Tony Visconti que procura arrumar o espaço e dar nitidez aos vários instrumentos em cena. Texto: Nuno Galopim

Nos últimos anos, além da revelação de muitas gravações ao vivo, temos vindo a assistir a uma série de edições que nos colocam perante visões alternativas sobre títulos da obra de David Bowie, que ora procuram reencontrar ideias originais ou de etapas anteriores ao momento da edição dos discos ou que procuram novos mergulhos possíveis entre as fitas originais, aqui através da arte da mistura. The Gouster, o álbum no qual Bowie começou a desenhar a sua visão de uma ‘plastic soul’ mas que acabou na gaveta e deu lugar ao nascimento de Young Americans, viu finalmente a luz do dia na caixa Who Can I Be Now? (1974–1976). Numa outra caixa, Loving the Alien (1983–1988), foi-nos apresentada uma nova versão do álbum de 1987 Never Let Me Down na qual foram acrescentados elementos e repensada a mistura, segundo notas e observações em tempos feitas por Bowie. Há cerca de um ano uma edição comemorativa do 50º aniversário de Space Oddity mostrava uma nova mistura do álbum na qual surgiam alguns elementos mais valorizados do que na versão original, nomeadamente os arranjos de cordas em algumas canções. Um ano depois da nova (e entusiasmante) visão sobre esse álbum originalmente lançado em 1969, eis que um modelo semelhante preside a um reencontro com as gravações que serviram o álbum seguinte. Editado em inícios de novembro de 1970, The Man Who Sold The World não viveu nunca – apesar do impacte da versão do tema-título pelos Nirvana – um estatuto sequer próximo do que transformou Space Oddity num marco maior na carreira de Bowie. Nem teve na sua génese um processo de demanda tão longo e frutuoso como o que, entre maquetes gravadas em casa entre 1968 e 1969, conduziram Bowie a uma exploração dos terrenos da folk da qual nasceria o mood e algumas das formas de Space Oddity. Estes dois factos estarão certamente na raiz da proposta mais “discreta” para o cinquentenário de The Man Who Sold The World. Há um ano, vale a pena recordar, a celebração dos 50 anos de Space Oddity surgiu na forma não apenas da edição da nova mistura do disco mas também na caixa livro/disco com o título Conversation Piece (com 5 CD). Mas cada álbum tem a sua história para contar. E se quem gere o legado de Bowie acha que a que está por detrás de The Man Who Sold The World não é sobretudo feita de maquetes ou outro material de arquivo (que pode ou não existir, não sabemos), a proposta que nos é deixada também em tempo de Bodas de Ouro é a da “descoberta” de dois planos de leitura sobre o álbum de 1970. Um na imagem. Outro na música. E tudo isso surge em The Metrobolist.
O que é então este “novo” disco? O título corresponde ao título de trabalho que o álbum de 1970 teve até relativamente tarde no processo de gravação, tanto que há fitas de estúdio ainda sob esse título. Além dessa presença de um título que acabou fora do álbum, a outra memória histórica aqui evocada tem a ver com a imagem da capa, um desenho originalmente pedido por Bowie a Mark Weller mas que, segundo o próprio site de Bowie explicou, foi rejeitada pela Mercury Records. Por essa altura Bowie faz uma sessão fotográfica na sua casa (a mítica Haddon Hall), apresentando-se com um vestido e criando uma “narrativa” com cartas que atira ao ar e logo aterram no chão. Uma das fotos dessa sessão seria afinal a capa de The Man Who Sold The World, optando contudo a edição americana pelo desenho… Agora, The Metrobolist devolve à capa o desenho original e apresenta no interior da gatefold sleeve uma série de fotos da sessão em Haddon Hall… Estes são, portanto, os ecos do passado que The Metrobolist recupera… E a música?
A música corresponde, tal como a edição dos 50 anos de Space Oddity, a uma nova mistura feita por Tony Visconti, o produtor e responsável pela mistura original (da qual se manteve intacta apenas a versão de After All, que aqui se apresenta tal e qual na remasterização de 2015). Tal como na proposta feita em torno do álbum de 1969 esta nova mistura procura arrumar os elementos em cena tentando dar maior visibilidade (ou nitidez, se preferirem) a alguns detalhes antes mais toldados, como por exemplo o registo das teclas no refrão do tema-título, agora mais destacadas da massa de som. Trata-se, contudo, de uma intervenção que repensa o espaço da canção, a relação entre a voz e os instrumentos, sem modificar, contudo, a sua estrutura. Não de forma tão profunda como na intervenção em Never Let Me Down, onde se juntaram novas gravações. Aqui a ação faz-se sobre o que estava gravado há 50 anos, talvez sem a mesma amplitude de surpresas reveladas na operação semelhante lançada sobre Space Oddity (mas aí é a matéria prima quem o define, e talvez o gosto de quem escreve…)… Mas uma vez mais a intervenção não se limita, naturalmente, ao labor habitualmente associado a uma remasterização (porque há intervenções no modo de posicionar relativamente os vários elementos em cena). Será este modelo a visitar em posteriores (re)edições de Bowie? Depois do que sucedeu com Space Oddity (Tony Visconto 2019 Mix) e, agora, The Metrobolist, parece que sim…
“The Metrobolist”, de David Bowie, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Parlophone