Disco criado em conjunto com a Orchestre National de France, o álbum “Airlines” junta música nascida para alguns filmes (de autores como Wes Anderson ou Ang Lee) a peças de Alexandre Desplat que nada têm a ver com o universo do cinema. Texto: Nuno Galopim
Por muito que o grande ecrã absorva o trabalho de um compositor para quem o cinema tenha criado um nome de sucesso, o “tempo livre” entre encomendas e produções pode abrir terreno para outras experiências. Naturalmente sem a agenda “cinematográfica” intensa que cerca alguns compositores de sucesso no cinema das décadas mais recentes, nomes como Nino Rota ou Bernard Herrmann mantiveram uma obra em paralelo pensada para a sala de concertos. E nos últimos anos vimos a Chandos a lançar em disco gravações de concertos de Nino Rota e, já este ano, a Naxos lançou a primeira gravação de Whitman, a música que Herrmann compôs em 1945 para uma peça de teatro radiofónico, num disco que encontra ainda a peça orquestral Souvenirs de Voyage e uma reconstrução, para ensemble de câmara, de música criada para o Psico, de Hitchcock. Esta relação não se faz apenas com “mestres” do passado. E, entre os grandes compositores para cinema do nosso tempo, Danny Elfman (que em tempos militou nos Oingo Boingo), viu ser editada em 2019 uma gravação do seu Concerto Para Violino (a que chamou “Eleven Eleven”) e acaba de lançar Happy, um single (digital) com uma canção… pop.
Alexandre Desplat, compositor francês que assinou já trabalhos com Terrence Malick, Roman Polanski, George Clooney, Stephen Daldry, David Fincher ou Kathryn Bigelow, e que venceu já Óscares pelas bandas sonoras de Moonrise Kingdom de Wes Anderson e A Forma da Água de Guillermo del Toro, acaba de editar Airlines, um disco no qual a Orchestre National de France, dirigida pelo próprio Desplat, interpreta uma série de peças suas, duas das quais sem relação com o universo do cinema.
Uma das peças sem cinema em volta é a que dá título ao disco. Obra flauta (aqui contando com Emmanuel Pahud), Airlines abre outros horizontes na música de Desplat para além daqueles a que a obra para cinema já nos deu a conhecer. Horziontes ainda mais desafiados em Pélleas et Mélissande, uma sinfonia concertante que leva o compositor, tal como em tempos o fizeram já Debussy, Fauré, Schonberg ou Sibelius, a ter como ponto de partida a peça de teatro de Maurice Maeterlinck, publicada e encenada pela primeira vez em 1893.
Mas basta olhar para a capa de Airlines para notar que o cinema é aqui o “gancho” para chegarmos à música de Desplat num disco que, contudo, recorre a algumas das suas colaborações para vários filmes, apresentando pequenas peças, muitas vezes em versões retrabalhadas para estúdio e, eventualmente, concertos. Surgem assim aqui não só referências às duas bandas sonoras que lhe deram Óscares, mas também a Rapariga Com Brinco de Pérola, de Peter Webber, Sedução, Conspiração de Ang Lee. A versão digital do álbum inclui ainda música de Birth – O Mistério, de Jonathan Glazer. É evidente uma diferença entre o tom mais “acessível” e funcional das peças ligadas ao cinema e o sentido mais exploratório, com outra liberdade, que Desplat assume com mais arrojo quando não tem o ecrã como destino. Mas, convenhamos, que se sai bem em ambos os campos.
O disco nasce de uma colaboração direta da orquestra e deixa no ar possibilidades que outros compositores do nosso tempo podem tomar. É que de Max Richter tinha já vasta obra não cinematográfica quando o cinema o descobriu, outros nomes há que, em discos como este, nos podem mostrar… outros filmes (daqueles de ouvir a música e imaginar as imagens).
“Airlines”, de Alexandre Desplat, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da Warner Classics
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