Morreu, aos 63 anos, um nome cuja obra passa por bandas como os Specials, Fun Boy Three ou Colourfield, deixando uma discografia com vários títulos memoráveis. Texto: Nuno Galopim
Não era um daqueles heróis da pop que costumam aparecer nas capas de livros que recordam os factos e nomes da música dos anos 80. Mas na verdade não se conta a história da música britânica desde os finais dos anos 70 sem passar pelas várias bandas, os belos discos, as grandes canções ou as importantes colaborações que foram definindo a obra de Terry Hall. Nunca ficou muito tempo no mesmo lugar, tendo passado por uma multidão de grupos, entre os quais os míticos Specials (força maior de um movimento que reacendeu um interesse pelo sua na reta final dos anos 70), os Fun Boy Three ou Colourfield. Deixou-nos ontem. Tinha 63 anos.
Nascido em Coventry (Reino Unido) em março de 1959, deixou muito cedo a escola e começou por trabalhar ou como pedreiro em obras ou como aprendiz de cabeleireiro. A música acabaria por cativar o foco maior das atenções, primeiro com os Coventry Automatics, que forma em 1977 e que, dois anos depois, se transformam nos Specials. E é com este grupo, sob a aposta (atenta) da etiqueta 2Tone, que dá a conhecer a um público mais vasto a sua voz e talento como autor, gravando entre 1979 e 1980 dois álbuns marcantes dos quais ficaram inscritas na história canções como A Message to You Rudy, Friday Night, Saturday Morning ou Ghost Town. De uma crise entre os Specials em 1981 nasceram dois caminhos, um deles gerando os Special AKA, o outro, liderado por Terry Hall, que então levava consigo dois outros elementos da banda (Lynval Golding e Neville Staple). Surgiram assim os Fun Boy Thee, mais uma banda de obra curta e marcante, gerando dois álbuns entre 1982 e 1983, e canções como The Lunatics Have Taken Over The Asylum ou It Ain’t What You It’s The Way That You Do It, este representando uma das duas parcerias que, por esses dias, os juntaram às Bananarama.
Tal como acontecera com os Specials, os Fun Boy Three foram casa com vida curta para Terry Hall que, então em Manchester, forma em 1984 os Colourfield, com os quais repete uma vez mais o percurso feito em dois álbuns, estes editados entre 1985 e 1987, entre eles tendo surgindo pérolas como Thinking Of You ou até mesmo uma canção com o nome da própria banda: The Colourfield. É de arco temporal ainda mais curso o passo seguinte, que por apenas um álbum o uniu, em 1989, à atriz norte-americana Blair-Booth e à joalheira Anouchka Grose. Antes de ter optado por uma carreira a solo, através da qual editou apenas dois álbuns (um em 1994, outro em 1997), juntou-se a Dave Stewart, então saído dos Eurythmics, para apresentar, em 1992, um álbum através de uma dupla à qual chamaram Vegas. A sua discografia inclui ainda, em 2003, um álbum em parceria com Mushtaq Omar Uddin (em tempos a voz dos Fun-Da-mental) e, em 2019, um álbum que nasceu da reunião dos Specials.
O percurso de Terry Hall inclui ainda vários episódios de colaboração, alguns deles junto de Ian Broudie, em discos dos Lightening Seeds. As Shakespeare’s Sister (banda nascida de uma separação das Banarama) ou Tricky são outros nomes com os quais criou episódios que contribuiram para a dimensão de vistas invulgarmente largas da sua obra.
O disco de 2019 gravado com os Specials, Encore (que gerou um verdadeiro fenómeno no Reino Unido, conquistando o número um na semana de lançamento) quebrou a “regra” que, até então, tinha levado Terry Hall a nunca gravar mais do que dois álbuns com o mesmo grupo de companheiros. Esta inconstância não significa, porém, uma dificuldade de relacionamento, tanto que, perante a notícia do seu desaparecimento, não faltaram depoimentos de músicos com quem trabalhou a destacar as suas qualidades humanas. Se a estas juntarmos este percurso feito de discos memoráveis e um perfil ideológico atento e intervertivo somamos elementos para caracterizar, em traços rápidos, um talento maior cuja contribuição para a história da música popular britânica foi marcante.
Gira-Discos 